Reforma da Previdência: Porque já vimos esse filme
Desde a Constituição de 1988, seis Reformas distintas foram apresentadas ao país
Artigo de Vanice Valle (professora de Direito, Visiting Fellow do Programa de Direitos Humanos da Harvard Law School – EUA – e especialista em Previdência Social)
Dia a dia se acompanha a caminhada da proposta de Reforma da Previdência materializada na PEC 6/2019 – claramente condicionada pelos impasses políticos entre Parlamento e Executivo. Aos diretamente atingidos pela proposição resta o permanente estado de insegurança jurídica e a perplexidade em relação a como influir no processo decisório.
No curso da vigência da Constituição de 1988, são já seis distintas reformas na matéria, num ritmo de praticamente uma a cada cinco anos. O sistema originalmente trazido pela Carta se viu totalmente descaracterizado, incrementando com isso o sentimento de que há uma relação de confiança legítima que se vê com essas permanentes mudanças, desprotegidas.
A pergunta que não quer calar é: por que não se alcança solucionar o tema da Previdência em uma só iniciativa, exigindo-se ao revés, várias reformas? Tecnicamente, o problema reside nas falhas sequenciais, ou seja, na dificuldade na implementação de medidas subsequentes de desenvolvimento do novo sistema previdenciário que a reforma imediatamente anterior pretendeu estabelecer.
Bom exemplo disso é a instituição dos regimes de previdência complementar pelos entes públicos. Autorizada a partir da EC 20/98, a sistemática se apresentava interessante para todos os envolvidos – especialmente nas categorias funcionais mais qualificadas. Afinal, instituído o regime de previdência complementar, viabilizava-se para o regime próprio de Previdência Social a limitação do valor de benefício previdenciário, desacelerando o aumento dos gastos.
De outro lado, para os servidores, limitava-se a base de cálculo do desconto previdenciário em favor do regime próprio, abrindo-se a possibilidade de transposição dos valores antes descontados para o novo regime de previdência complementar, que, sob controles muito mais rígidos da PREVIC (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), pode apresentar resultados positivos, incentivando a adesão.
A medida, salutar sob todos os prismas, se viu no mais das vezes limitada por cláusulas que, quando da instituição dos regimes de previdência complementar, limitavam no tempo a adesão de servidores já integrantes do quadro. A janela de oportunidade para adesão ao modelo novo – que, por seu ineditismo, ainda não tinha tanta atratividade – rapidamente se fechou, inviabilizando que servidores, hoje já convencidos do acerto da proposta, adiram.
Descontinuidades dessa natureza reduzem em muito o potencial de transformação do quadro de desequilíbrio da previdência pública. O cenário não parece diferente com a PEC 6/2019. Com isso, é previsível que, daqui a cinco anos, estejamos de novo debatendo o assunto.