AMAERJ | 29 de janeiro de 2019 09:58

Revista FÓRUM: A Justiça em defesa da mulher

Juíza Yedda Ching San Filizzola

Em 2018, TJ-RJ registra recorde de medidas protetivas em favor de vítimas de agressão

Por EVELYN SOARES

Maria teve seus objetos queimados. Joana ouve, todos os dias, que não presta. Ana apanhou após uma discussão. Natália, agredida muitas vezes, foi morta. Em todas as histórias que se repetem diariamente no Brasil, um ponto em comum: a violência contra a mulher pela condição de gênero. A cada duas horas, uma mulher é assassinada no país, quinto lugar em feminicídios no mundo, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh).

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O cenário nacional da violência contra a mulher assusta. O Ligue 180, do governo federal, registrou aumento de quase 30% nas denúncias de agressão. Houve, no ano passado, 92 mil ligações para a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) acompanha o aumento nacional. O Observatório Judicial da Violência contra a Mulher – núcleo da Corte estadual encarregado de traçar estratégias contra a violência de gênero – registrou um recorde na concessão de medidas protetivas de urgência entre janeiro e novembro de 2018: 21.759 casos, 91 a mais que em 2015. O ano passado foi o segundo com mais ações na Justiça do Rio por violência contra a mulher: o TJ-RJ recebeu 111.391 novos processos, perdendo apenas para 2014 (na comparação com o mesmo período), com 112.396 casos.

Além de alarmar, o aumento impõe ao menos uma dúvida: a elevação nos números é resultado de mais violência ou de mais determinação para denunciar?

“Acredito que as mulheres estão com mais coragem. A crença na Justiça é maior entre as mais jovens, que nos buscam ao primeiro sinal de violência – diferentemente das mais velhas, que sofreram por muitos anos. O aumento dos números também mostra o trabalho de excelência dos magistrados do Tribunal do Rio em relação à violência doméstica”, afirma Yedda Ching San Filizzola, juíza da 4ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

A Justiça do Rio desenvolve projetos voltados à proteção de mulheres vítimas de violência. O mais recente é de agosto de 2018, o Protocolo Violeta/Laranja-Feminicídio. O objetivo é acelerar o acesso à Justiça por mulheres sobreviventes e familiares em situação de vulnerabilidade e risco grave de morte ou lesão à integridade física.

O documento é resultado do Projeto Violeta, de apuração de casos de violência. O processo deve ocorrer em quatro horas: a vítima registra a agressão na delegacia, que a encaminha à Justiça. Antes de anunciar a decisão, o juiz ouve a vítima, que recebe orientação da equipe multidisciplinar do Juizado. O Juizado de Bangu, da juíza Yedda, registrou o maior número de atendimentos em 2018: 300, de janeiro a novembro.

A Sala Lilás, criada em 2015, é um espaço para atender as vítimas de violência física e sexual, com equipe especializada. As duas unidades ficam nos IMLs (Instituto Médico-Legal) no Centro e em Campo Grande, Zona Oeste.

Em 2019, a ideia é fortalecer os projetos desenvolvidos pelo TJ-RJ e as Semanas Justiça pela Paz em Casa, promovidas nacionalmente pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Comportamento padrão

Yedda integra a equipe de auxiliares da Corregedoria-Geral da Justiça da COEM (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar). Com experiência em varas criminais, a magistrada lida há um ano com casos de crimes por gênero.

Mesmo antes da tipificação do feminicídio (Lei 13.104/2015), já havia ações de crimes contra a mulher – definidas como homicídio qualificado por motivo torpe.

A juíza conta ter percebido um padrão de comportamento: “A violência física é ligada a rupturas no relacionamento, seja por traição, não aceitação do fim da relação ou guarda de filhos não regulamentada. Já vi muitos feminicídios ocorrerem quando a mulher muda e decide, por exemplo, trabalhar ou estudar. A atenção deve ser redobrada com os homens que cometem violência quando a mulher muda de emprego ou de cabelo. Esse tem o potencial de ser feminicida”.

Outro conselho para as mulheres é ser financeiramente independente: “Não é amor que as prende neste tipo de relacionamento. As maiores dificuldades são não ter dinheiro nem qualificação profissional para se sustentar”.

O convívio no lar em que a mãe sofre violências por parte do pai influencia o futuro dos filhos. Segundo a juíza, os meninos entendem que ser homem é ser violento e podem vir a reproduzir o comportamento do pai. As meninas mimetizam a mãe e buscam homens do mesmo padrão, acrescenta a magistrada.

“Para a violência doméstica não se perpetuar, é essencial denunciar na delegacia mais próxima e levar o boletim a uma unidade judicial. O próximo passo é procurar tratamento psicológico, para se desvencilhar desse ciclo”, disse Yedda.

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