Destaques da Home | 27 de março de 2018 16:11

Secretário de Administração Penitenciária quer usar inteligência contra corrupção nos presídios do Rio

*O Globo

FOTO: Divulgação

Dois meses à frente da Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) do Rio de Janeiro, o delegado da Polícia Civil David Anthony tem como desafio combater o caos no sistema penitenciário, onde vê a corrupção dentro das cadeias como um ponto crítico e responsável em parte pela violência que assola o Rio. Para isso, ele está ciente de que vai mexer em “vespeiro”, mas diz ter “carta branca” do interventor federal, o general Walter Braga Netto, para iniciar uma série de vistorias nas quase 50 unidades prisionais.

Na última sexta-feira, ele recebeu O GLOBO em seu gabinete e anunciou que pretende inaugurar um presídio-modelo em regime fechado em Gericinó ainda este ano. Ele também prometeu excluir da lista de fornecedores de quentinhas para os presídios as empresas que forem citadas na Lava-Jato. Leia a entrevista com o secretário.

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O senhor foi nomeado para substituir um secretário afastado pela Justiça em meio à denúncias de regalias na penitenciária de Bangu e de Benfica. Qual o quadro encontrado ao chegar à Seap?

Eu cheguei três semanas antes da intervenção federal e de certa forma na prática, por conta do carnaval, eu tive duas semanas de trabalho que permitiram que a gente pudesse avançar muito, de modo que quando a intervenção chegou , a gente já tinha um quadro do que precisava ser feito. Nessas primeiras semanas já tínhamos um diagnóstico dos problemas que iríamos enfrentar, como fraudes em contratados de fornecedores das quentinhas, a questão das cantinas e a entrada de material ilícito dentro das unidades e modernização do sistema de carteirinhas de visitantes. Já Benfica está sob total intervenção e procedimentos foram abertos para acabar com as regalias.

Quais as mudanças que serão feitas na secretaria para enfrentar o problema da corrupção no sistema?

Já estamos mudando a estrutura básica da Seap em relação a contratação de fornecedores e normas de visitação. Temos aqui hoje dentro da secretaria três auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE), com o apoio da inteligência do Ministério Público, fazendo uma varredura em todos os contratos e licitações. A primeira medida será oficiar nos próximos dias o juiz Marcelo Bretas para saber quais são as empresas citadas na Lava-Jato e que fornecem alimentação aos presídios. Todas elas serão excluídas e não mais serão convidadas a prestarem serviço ao sistema.

O senhor vai trazer novos nomes para a estrutura da Seap?

Nossa principal arma no combate a corrupção será a transparência. E como você enfrenta isso? Com regras claras e acessíveis, como normas que permitam ao usuário do sistema carcerário ter segurança. Com transparência entendemos que vamos inibir quem quer que seja, preso ou agente penitenciário, de se valer de interesses escusos. Não perdoaremos mais essas práticas suspeitas dentro dos presídios. E para isso vou trazer um nome forte da minha total confiança nos próximos dias, um delegado federal com carta branca, que vai ter sob seu comando o setor de inteligência da polícia, que produzirá informações não apenas sobre a conduta de agentes penitenciários, mas também sobre o que circula dentro das celas e se reflete nas ruas do estado. Ele vai acumular essas funções com a corregedoria. Mas não estou autorizado a adiantar quem será.

Como o senhor pretende controlar a entrada de material ilícito dentro das cadeias?

Tornar as regras acessíveis a todos é o primeiro passo para que fique claro o que pode e o que não pode ser feito dentro do sistema. Isso não está muito claro hoje. Eu passei um período em Londres estudando normas e regras de compliance que pudessem tornar mais transparentes as relações da administração pública. Lá fora vemos que os especialistas usam a expressão “tone from the top” para exemplificar como deve ser a conduta de uma agente público no combate à corrupção. Ou seja, eles querem dizer em tradução livre que o “exemplo vem de cima, quem dá o tom é quem está de cima”. Por que o corrupto busca um fator psicológico para justificar a conduta del. Não estou dizendo que tudo que entra nas unidades é fruto do desvio de conduta, mas se entra algo nos presídios, e sabemos que entra muita coisa,está diretamente ligado ao desvio de conduta, não necessariamente isso está ligado aos agentes. Ampliar a fiscalização do material que entra nas cantinas , hoje feita por amostragem, por meio da nossa inteligência é um dos caminhos a serem seguidos. Para isso vamos unificar o trabalho da corregedoria com o setor de inteligência para inibir os desvios de conduta na Seap.

Haverá mudanças no esquema de visitação dos presos e o que pode ser levado a eles?

Vamos buscar uma coerência entre o que o visitante pode levar ao parente preso e aquilo que pode ser comercializado. Um exemplo: hoje água o visitante não pode trazer, mas é comercializada, e quase sempre a preços superfaturados. Vamos tabelar os preços com base no mercado, de maneira que eles fiquem em destaque nas unidades. O número de bolsas permitidas para levar aos presos também sofrerá mudanças. Antes entravam três bolsas, não entram mais. Eu acabei com isso. Agora são duas bolsas. Temos hoje três centrais de carteirinhas de visitantes. A gente vai fazer um convênio com o Detran, onde fui corregedor-geral, para acabar com as centrais. Vou recuperar esse efetivo dos que trabalham nessas centrais e diminuir o custo disso. A ideia é acabar com o retrabalho com a emissão de carteirinhas. Temos órgãos públicos que tem mais expertise do que nós para isso. E o Detran e o seu sistema de identificação de documentos online é perfeito para isso. Receberemos também um sistema de câmeras de monitoramento do órgão.

Alguma medida mais concreta para inibir a entrada de material ilícito dentro das cadeias à vista?

Já recolhemos centenas de celulares e quilos de drogas em recentes batidas que fizemos dentro e fora da capital, em Japeri e Campos. Nós vamos continuar a dizer ao que viemos, vamos continuar dando o recado. Não haverá um lugar aqui no Estado que deixaremos de entrar. Vamos entrar pesado e surpreender muita gente.

Há planos para diminuir a superlotação dos presídios ?

Usar critérios para fazer uma reclassificação de unidades. Faremos mudanças estruturantes em processos internos para mapear comparando as boas práticas em outros modelos feito em outros estados, como os do Paraná e Espírito Santo, de acordo com a nossa realidade carcerária. Uma das maiores preocupação nossa é resolver o problema do Instituto Penal Plácido Sá Carvalho, que é uma unidade de regime semiaberto, por conta das denúncias feitas na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem capacidade para 1. 700 presos e que possui mais de 3.600. Mas eu não consigo fazer essa reclassificação sem alterar a categoria de outras unidades.

Está prevista a construção de novos presídios?

Sim. Vamos inaugurar uma unidade que já tem 80% de sua construção concluída dentro do Complexo de Gericinó, ainda em 2018. Nossa previsão é de que ela possa abrigar cerca de 700 presos e será usada como modelo. Também vamos iniciar, a partir da ajuda que virá do governo federal, diversas reformas em outras unidades com vista à reclassificação dos regimes.

Fonte: O Globo