O corregedor-geral de Justiça, Claudio de Mello Tavares, destaca a parceria com magistrados e serventuários
POR RAPHAEL GOMIDE E SERGIO TORRES
Terceiro mais antigo desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o corregedor-geral da Justiça, Claudio de Mello Tavares, já visitou presídios, abrigos para menores infratores, zonais da OAB no interior do Estado e incontáveis gabinetes dos fóruns da capital desde o início da gestão, em fevereiro. O foco de seu trabalho à frente da Corregedoria é o combate à morosidade do trâmite da ação judicial e de procedimentos cartorários. Para Mello Tavares, de 57 anos, “Justiça lenta não é Justiça”.
O corregedor tem combatido a vagareza judiciária com uma estratégia muito particular. Para ele, o corregedor “é o parceiro do magistrado”. Por isso, adotou a prática de ouvir, conversar, identificar problemas e buscar soluções em equipe. “Graças a Deus, me sinto vocacionado para essa parte administrativa”, disse.
Religioso, Mello Tavares frequenta missas dominicais. Ele leva para o cotidiano um pouco de sua fé e do espírito cristão. Uma das ações de que se orgulha foi a criação de um cadastro de adolescentes egressos de instituições sócio-educativas para ter um primeiro emprego. “Sou católico apostólico romano. É obrigação ajudar nosso semelhante. O poder só tem sentido se pode ajudar. Nós todos estamos de passagem. Quero plantar uma semente que dê frutos. Acho que o importante é cumprirmos nossa missão”, observa o corregedor. À direita da mesa em que trabalha, montou uma espécie de santuário, com imagens e objetos vinculados ao catolicismo. Mello Tavares acaba de lançar “Da União Livre à União Estável – Aspectos do Concubinato”, seu primeiro livro, que comenta nesta entrevista à FÓRUM.
FÓRUM: Por que o senhor optou pelo Direito?
Claudio de Mello Tavares: Meu pai era advogado. Tinha tios no Direito. Desde pequeno, com essa convivência, comecei a gostar muito e fui estudar na Faculdade Candido Mendes, de 1981 a 1985. Fiz estágio no escritório do saudoso senador Nelson Carneiro (1910-1996), onde fiquei oito anos – três como estagiário, cinco como advogado. Eram ele e o sócio Orlando Pereira, companheiros de Salvador (BA). Era advogado muito atuante e culto. Para mim, foi uma escola ter tido oportunidade de ter convivido com duas pessoas com notório saber jurídico, reputação ilibada. Trabalhava na área cível, família, sucessões, locação. Cível sempre foi a minha especialidade. Em 1990, montei o meu escritório. Achei que já era o momento.
FÓRUM: Como sr. chegou ao Tribunal de Justiça?
Mello Tavares: Em março de 1996, abriu uma vaga destinada ao Quinto Constitucional no Tribunal de Alçada Cível. Inscrevi-me na OAB e fui um dos seis selecionados. O Tribunal de Justiça reduziu a lista para tríplice, e o governador (Marcello Alencar) me escolheu. Tomei posse na 1ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada Cível em 1996. Com a unificação do Tribunal de Alçada Cível e do TJ, os juízes foram promovidos ao cargo de desembargador. Tomei posse em 2 de março de 1998. Cheguei ao Tribunal com 37 anos. Hoje, sou o terceiro
desembargador em antiguidade.
FÓRUM: Em que momento o sr. decidiu pela magistratura?
Mello Tavares: Em 1990, fui convidado a ser assessor jurídico de um juiz do Tribunal Regional do Trabalho. O assessor prepara o relatório, a minuta para o desembargador. Despertou em mim uma vocação. Comecei a gostar de decidir e achei que poderia contribuir com as pessoas. Resolvi fazer cursos preparatórios para concursos. Foi quando surgiu a vaga do tribunal.
FÓRUM: Na posse na Corregedoria, o sr. falou sobre gestão participativa e tem feito um périplo pelo Estado. O contato direto com juízes ajuda a estabelecer uma linha de direção para as ações?
Mello Tavares: Foi muito importante advogar, porque às vezes o estudante sai da faculdade e vai fazer concurso, sem advogar. Conheci o lado do advogado. E os advogados comentam comigo sobre a morosidade, alguns entraves. O corregedor deve, acima de tudo, orientar. É o parceiro do magistrado. Não ter aquela visão punitiva, de querer só cobrar. Resolvi ir ao encontro dos juízes e mostrar meu perfil, me aproximar mais. Para dizer a eles que estou aqui para uma orientação, para o que eles necessitassem, que podem contar comigo. Ao mesmo tempo, orientá-los na questão da gestão. Há juízes que entram no gabinete e se isolam. Julgam o processo, mas não vão ao cartório verificar como está funcionando. Esse diálogo com os juízes foi fundamental: procurei transmitir conhecimento. Disse que cobrassem do responsável pelo cartório, acompanhassem esse trabalho, não apenas delegassem. Há um chefe de serventia, que gerencia o cartório, e vários serventuários. Se o chefe tem liderança, dá exemplo, os serventuários seguirão uma metodologia de trabalho. Mas se não tem liderança, o cartório fica abandonado. Se o juiz adentra no cartório e cobra esse trabalho do chefe da serventia, eleva a autoestima do serventuário.
FÓRUM: Como a Corregedoria se relaciona com os advogados?
Mello Tavares: Muitas vezes, você outorga uma procuração e o advogado deixa lá como está. Tem o advogado que só acompanha o processo, e tem o advogado que persegue o processo, vai atrás do processo: é o advogado diligente. A OAB me convidou a acompanhar um calendário de reuniões. Eu vou às zonais e me reúno com os advogados, os juízes-auxiliares anotam as reclamações. Depois nos reunimos com os juízes da região. Aproveito e faço as duas coisas, ouço advogados e juízes. Em cada lugar, ouço advogados de manhã e à tarde, os juízes. Já visitamos dezenas de juízes e de advogados em Angra dos Reis, Cordeiro, Nova Iguaçu, Barra Mansa, Macaé, São Fidélis.
FÓRUM: Qual é a atuação da Corregedoria no sistema penal?
Mello Tavares: Resolvemos fazer um trabalho para conhecer o sistema penitenciário. Marquei audiência com o coronel Erir (Ribeiro da Costa Filho, secretário de Administração Penitenciária do Estado do Rio). Assim que tomei posse, me reuni com o secretário de Segurança, Roberto Sá, e o defensor-público geral, André Luís de Castro. Por que isso foi importante? Em Campos dos Goytacazes (cidade no Norte Fluminense), por exemplo, audiências não estavam ocorrendo no Tribunal do Júri por falta de juiz, de promotor e defensor. Através da parceria, conseguimos um promotor com o Ministério Público, um defensor e, junto à presidência do Tribunal de Justiça, fizemos um mutirão. Conseguimos realizar todas as audiências.
FÓRUM: Há muitas críticas sobre a demora na conclusão dos processos.
Mello Tavares: Quando entrei na Corregedoria fiz uma mapeamento de como estavam os processos. A Constituição diz que a decisão deve se prolatada em tempo razoável. Como se explica haver algumas varas cíveis com a média de 4.500 processos e outras com 8 mil? A gente tem que raciocinar da seguinte forma: existem dois critérios. Pode ser que o juiz tenha chegado à vara e herdado um acervo. Ou entrou e por uma questão de gestão… Oriento os juízes a fazer uma sentença sucinta. Se os processos estão em dia, você pode citar uma doutrina, jurisprudência, fazer uma sentença tecnicamente mais bem elaborada. Mas a parte quer uma solução quando bate à porta do Judiciário! Muitas vezes, o processo fica demasiadamente em trâmite, sem solução. Quis chamar esses poucos juízes, a minoria, e dizer: ‘O que está acontecendo, como posso te ajudar?’.
FÓRUM: A crise financeira prejudica muito?
Mello Tavares: Este ano sofremos um corte de 15%, em toda a administração. Havia grupo de serventuários que prestavam horas-extras e eram remunerados. Isso foi cortado porque não tinha dinheiro.
FÓRUM: Quais são as principais demandas dos advogados?
Mello Tavares: A morosidade para chegar ao juiz, morosidade na conclusão, morosidade na juntada de documentos (cartorária) e morosidade de expedição (de mandatos de pagamento, intimação, por exemplo).
FÓRUM: E as queixas dos juízes?
Mello Tavares: Ausência de serventuários. Tivemos processo de aposentadoria incentivada. A Corregedoria é um desafio. Graças a Deus, sinto-me vocacionado para essa parte administrativa. Gosto de me comunicar, a comunicação é fundamental. É importante motivar, aumentar a autoestima dos serventuários que são trabalhadores, dedicados. Fiz isso recentemente. Um exemplo que é pura realidade. Fiz alguns cortes, mas sobrou um cargo. Falei: ‘vou dar para um serventuário que eu via que estava sempre trabalhando, a qualquer hora que eu passava, com produtividade’. Fui conversar com ele. Falei que havia um cargo bom. ‘Vou dar ao senhor de presente.’ Na verdade não era presente, mas uma recompensa pelo trabalho e a dedicação dele. O homem começou a chorar. Falou assim: ‘Desculpe eu estar chorando, mas o senhor não imagina o quanto isso está me fazendo bem, no momento em que estou mais precisando’. Ele ficou tão grato… Essas coisas que motivam. O Divino Espírito Santo me iluminou ao identificar este cidadão.
FÓRUM: Juiz tem que ser gestor?
Mello Tavares: Tem. Quando tomei posse, fui a todos os andares, cumprimentar um por um, me apresentar, estimular, dizer que estamos todos juntos, que somos servidores do público, temos que trabalhar para a sociedade, não podemos medir esforços. Com crise ou sem crise, somos privilegiados, temos um cargo. No fim do mês, mal ou bem, você recebe seu salário. A questão principal é a da morosidade. Justiça lenta não é Justiça. Não posso aceitar um que processo fique dez anos na primeira instância.
FÓRUM: O Rio tem sido o Estado com o melhor desempenho entre os Tribunais de Justiça do país. Por que os juízes do Rio são tão produtivos?
Mello Tavares: De janeiro a junho deste ano ingressaram 705.404 processos na primeira instância. Foram julgados, arquivados porque tinham resíduos, 946.431 processos. É como se o Tribunal de Justiça tivesse resolvido todas as questões que chegaram e mais 241.027. Neste primeiro semestre, só nas varas cíveis da capital, todas reduziram acervo. Se somar todas elas, foram reduzidos 25 mil processos em seis meses, de 1º de fevereiro a 31 de julho.
FÓRUM: O sr. tem algum lema que norteie o seu trabalho?
Mello Tavares: Nós todos estamos de passagem. Quero plantar uma semente que dê frutos. Acho que o importante é cumprirmos nossa missão.
FÓRUM: A grave questão dos menores infratores tem solução?
Mello Tavares: Quando visitei o Centro de Socioeducação Dom Bosco, de menores infratores, adentrei a cela. A maioria estava lá por associação ao tráfico. Há uma lei que obriga empresas de médio a grande porte a contratar de 5% a 15% de menores de 14 a 21 anos, podendo chegar aos 24, para trabalhar. Precisam estar matriculados em escolas, têm carteira assinada, recebem R$ 500 por mês e prestam serviço por seis horas diárias.
Eu me reuni com o grupo formado pelo Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Estado, Defensoria Pública, Associação dos Magistrados Trabalhistas e Corregedoria. Montamos aqui uma central de aprendizagem. Fizemos com que esses menores, quando cumprissem suas medidas sócio-educativas, fossem cadastrados na Corregedoria, com informações de juízes da varas da Infância e Juventude. Providenciamos, junto a outros órgãos, carteiras de trabalho, CPF. Temos 529 inscritos, 111 aptos, com a documentação em dia. Esses empresários, que não tinham onde procurar, podem vir à Corregedoria e, através desta central, contratar. O próximo passo é agendar uma reunião com empresários.
A infância dessas crianças é roubada. Se não criarmos essa oportunidade… Ele sai de lá com uma pecha, a de egresso do sistema. Foi muito importante conhecer esse problema de perto. Eles me perguntaram. ‘Mas o senhor vai ajudar a gente?’ ‘Claro que vou.’ A gente precisa dar uma oportunidade.
FÓRUM: O sr. é religioso? Acha que sua formação religiosa ajuda nesse olhar social?
Mello Tavares: Sou católico apostólico romano praticante. Vou à missa todos os domingos, tenho fé. O poder só tem sentido se você ajudar as pessoas. Na Corregedoria não tem só trabalho judiciário, temos trabalho social.
FÓRUM: Qual é sua opinião sobre a possibilidade de volta ao Rio dos criminosos que estão nos presídios federais, em outros Estados?
Mello Tavares: No momento que a gente está vivendo, esses criminosos têm de continuar onde estão. Mesmo eles não estando aqui, o Estado enfrenta esse índice de violência, essa crise de insegurança.
FÓRUM: É positivo para a Justiça esse protagonismo no atual momento brasileiro? Há represálias à Justiça pela ação contra a corrupção?
Mello Tavares: O Judiciário está desenvolvendo o papel dele. Não busca o protagonismo. Estamos exercendo a nossa função, que é exatamente essa. Os poderes são harmônicos, porém independentes. Os que estão no Congresso Nacional são representantes do povo. Se a própria opinião pública está aplaudindo, acredito que, entre aspas, esses que pretendem fazer alguma retaliação, devem sofrer as consequências.
FÓRUM: Como é o sr. fora do Judiciário?
Mello Tavares: Sou tricolor de coração. Vou ao Maracanã, aos estádios, levo dois filhos pequenos, de 12 (Mateus) e 9 anos (Bernardo). Sou carioca, moro em Copacabana.
FÓRUM: Fale sobre o livro que acaba de lançar.
Mello Tavares: Surgiu na tese de trabalho monográfico na faculdade. Foi o primeiro livro sobre o concubinato na época. Apresento desde o início da história do concubinato até os dias atuais. Todas as legislações que vieram, depois a Constituição, inclusive a decisão recente do Supremo Tribunal Federal.
FÓRUM: A Justiça do Rio é progressista neste aspecto?
Mello Tavares: Acho que sim, acho que é bem progressista.