Conheça mais de perto os desafios da presidente da AMAERJ, Renata Gil, em defesa da classe
POR RAPHAEL GOMIDE
Às 5h40 de terça-feira, 28 de agosto, Renata Gil despertou no quarto de um hotel em São Paulo, onde participara na véspera de uma reunião com a cúpula do Tribunal de Justiça paulista e parlamentares do Estado. Às 7h já estava no Aeroporto de Congonhas, para embarcar rumo a Brasília.
Ao chegar à capital, foi direto para uma reunião na AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). À tarde, rumou para o Palácio do Planalto e se reuniu com o presidente da Câmara e em exercício da República, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao lado de Jayme de Oliveira, da AMB. Naquele dia, iria ainda para a Câmara dos Deputados, com o presidente do TJ-RJ, Milton Fernandes. Na quarta-feira, participou de encontro com os presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais na AMB sobre o rezoneamento eleitoral e o Extrateto e seguiu para o Senado, onde falou, entre outros, com o senador Wilder de Morais (PP-GO), sobre o VTM (Valorização por Tempo de Serviço). Tomaria o avião à noite e só chegaria em casa às 22h daquela quarta-feira.
Desde que assumiu a AMAERJ, em fevereiro de 2016, as semanas da presidente da entidade são cheias de noites de pouco sono, compromissos, deslocamentos de avião, conversas ao telefone e no WhatsApp, negociações, reuniões e mais reuniões. Ao longo do tempo, descobriu que tinha talento para convencer deputados e senadores – estava em sua essência política.
Renata Gil criou interlocuções importantes no Legislativo, no Judiciário e no Executivo. Conversa permanentemente com Rodrigo Maia para tratar de projetos de interesse da magistratura, pessoalmente em Brasília ou por telefone; está sempre em contato com o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, para falar sobre vencimentos e outras demandas, e com o vice-governador, Francisco Dornelles; passou a ser convidada para reuniões e audiências na Assembleia Legislativa do Rio; e visita com frequência o STF, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgãos onde há inúmeras demandas que afetam os juízes do Rio. Aproximou-se da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que será a homenageada pelo 6º Prêmio AMAERJ Patrícia Acioli de Direitos Humanos, em 6 de novembro.
Essa atividade intensa no Congresso Nacional, com esclarecimentos pessoais e notas técnicas, tem se revelado fundamental para neutralizar iniciativas que ameaçam os direitos e prerrogativas de magistrados do Rio e de todo o país. Os anos de 2016 e 2017 apresentaram uma série de desafios graves ao Judiciário, em parte fruto do sucesso da Operação Lava-Jato, que atingiu a classe política, causando retaliações.
Ofensiva do Extrateto
No fim de agosto, o Extrateto – projeto aprovado no Senado em dezembro de 2016 – esteve prestes a ser votado pela Câmara dos Deputados. A ideia dos parlamentares era deliberar sobre o caso de forma relâmpago, sem muita discussão e com urgência. Estão em risco gratificações e indenizações que compõem a remuneração dos membros do Judiciário. O trabalho político da AMAERJ e da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) impediu a sessão e conquistou tempo e a promessa de que o tema seria discutido com mais profundidade e a participação de magistrados e de integrantes do Ministério Público.
Poucos dias depois, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), aguerrido adversário, iniciou nova ofensiva. Na tarde de 12 de setembro, apresentou requerimento para criar uma CPI sobre “salários acima do teto”. Embora já não seja o presidente da Casa, continua com muita força política e anunciou o apoio de 50 senadores. Renan nega que a medida seja uma retaliação ao Judiciário e ao MP. “Não é contra Poder A nem contra Poder B ou C. É uma regra geral. Temos de levantar [os dados]. É preciso obrigar quem ganha mais que o teto a devolver o que recebeu a mais, mas há uma dificuldade de levantar os ‘supersalários’ e por isso defendo a CPI. Não tem nada a ver com a Lava Jato”, alegou. Em 2016, o Senado aprovara projeto da Comissão Especial do Extrateto e os encaminhara à Câmara, mas ainda não houve votação.
Apesar de a crise política retardar provisoriamente a discussão, cedo ou tarde o assunto será enfrentado. O presidente da AMB, Jayme de Oliveira, enxerga nesta e em outras medidas uma campanha de intimidação contra a Justiça. Ministros do STF também têm alertado para os ataques ao Judiciário, vindos de diversos poderes. Luís Roberto Barroso defendeu a mobilização da sociedade contra a “Operaçãoabafa contra a Lava-Jato”; a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, disse que “democracia só existe com Judiciário forte e livre” e afirmou que os magistrados brasileiros merecem ser reconhecidos “por tudo o que trabalham, se empenham e sofrem”.
Luiz Fux apontou para uma “tentativa de enfraquecimento do Judiciário” pelo Congresso, em O Globo. “Em primeiro lugar, transformar as propostas contra a corrupção em lei de abuso de autoridade, para tentar criar uma ameaça legal à atuação dos juízes. É completamente fora da reforma política fixar prazo de mandato para os juízes dos tribunais superiores. É uma estratégia para enfraquecer o Poder Judiciário. Essas mudanças são para tirar o foco do que se está efetivamente apurando, que é a corrupção.”
Segundo ele, o enfraquecimento do Judiciário foi usado na Itália para atingir os resultados da Operação Mãos Limpas. “Parece que isso está acontecendo agora no Brasil, em relação à Lava-Jato. Enquanto estudamos as melhores formas de investigação e de combater a corrupção, o que se tem feito no Congresso é estudar como se nulificaram, na Itália, os resultados positivos da Mãos Limpas. Na Itália, fizeram reformas mirabolantes para tirar o foco da Operação Mãos Limpas. Aqui, fizeram o mesmo. Na Itália, começou a haver uma política de enfraquecimento do Poder Judiciário. Aqui, a iniciativa popular propôs medidas anticorrupção, e elas foram substituídas por uma nova lei de crime de abuso de autoridade, inclusive com a criminalização de atos do juiz.”
Reconquista de prestígio e espaço político
Apesar do ambiente tenso e muitas vezes refratário, a AMAERJ tem conquistado espaço e interlocução permanente mesmo no Legislativo. Renata Gil foi recebida diversas vezes pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. “Lá vem a Renata, para tirar alguma coisa do projeto! Cuidado, que ela muda tudo para defender o Judiciário!”, brincou ele, em reunião com outros deputados. Foi assim, com muito trabalho legislativo, especialmente junto ao relator do projeto de Recuperação Fiscal dos Estados, Pedro Paulo (PMDB-RJ), que a AMAERJ foi fundamental para excluir o Fundo Especial dos Tribunais de Justiça da lei, entre outras conquistas. No Tribunal de Justiça de São Paulo, representou a AMAERJ e a AMB em reunião das associações nacionais com parlamentares paulistas.
Assim, a associação recuperou seu espaço histórico e prestígio como referência nacional da magistratura. Passou a ser sempre convidada para audiências públicas – em Brasília ou na Assembleia Legislativa –, a ter os pedidos atendidos e ganhou relevância. O trabalho é cansativo, mas agrada a presidente da AMAERJ. “Vou para o Parlamento feliz. O parlamentar ouve todo mundo, é aberto ao diálogo, embora o momento de crise institucional não favoreça o clima. Eles ouvem, aceitam textos, documentos. Tenho uma relação ótima e eles respeitam muito a defesa institucional que fazemos”, diz Renata Gil.
No Rio, a Assembleia Legislativa passou a ter uma interlocução permanente com a AMAERJ e outras associações de carreiras jurídicas, para tratar de temas como previdência, recuperação do Rio, segurança pública e até rezoneamento eleitoral. Apresentados aos fatos pela AMAERJ, deputados estaduais enviaram manifesto ao TSE e ao STF, onde tramita Ação Direta de Inconstitucionalidade, em que repudiam as mudanças sugeridas para o rezoneamento eleitoral no Rio. Renata Gil também publicou em O Globo artigo sobre as implicações negativas do rezoneamento no Estado.
A imprensa tem percebido na AMAERJ uma voz importante para se pronunciar sobre assuntos importantes. Renata Gil tem concedido entrevistas com frequência a TVs, jornais e sites sobre a crise de segurança pública, propostas inconstitucionais de acordos com traficantes condenados e o retorno de líderes de facções criminosas em penitenciárias federais ao Rio, entre outros tópicos.
E a associação não tem se descuidado da fundamental defesa de prerrogativas de magistrados. São muito frequentes as medidas no campo da comunicação, notas públicas de apoio a juízes atacados, e a defesa institucional na Corregedoria e no CNJ.