A edição deste sábado (22) do jornal O Globo traz o artigo “O magistrado hoje”, escrito pelo diretor-geral da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), Ricardo Rodrigues Cardozo. “O juiz moderno fala, comunica-se com a sociedade e com a mídia. Mas não deve ser estrela ou falar sobre o que está nos autos. Expressa suas ideias”, destaca.
Leia abaixo a íntegra do artigo:
O magistrado hoje
* Ricardo Rodrigues Cardozo
Há quase 30 anos, um vivido e experiente magistrado, amigo da família, quando me iniciava como juiz, deu-me o seguinte conselho: “Juiz só julga, fala apenas nos autos e jamais emite opinião”.
Era compreensível aquela visão comportamental, mas hoje o mundo mudou, e a magistratura já foi convenientemente apenada por ter mantido tanta distância da sociedade, a ponto de se imaginar que nós, juízes, constituíamos uma casta privilegiada e vivíamos como verdadeiros deuses, encastelados e usufruindo as benesses de uma “caixa-preta” que precisava ser aberta.
Culpa nossa, porque não abrimos os olhos no momento certo e não falamos quando devíamos falar. Mas nunca é tarde para mudar, e mudamos.
À frente da direção geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), tenho procurado passar tanto para o novo magistrado, mas também para os veteranos, o que é ser juiz na sociedade atual. Iniciei um processo reflexivo, o qual me trouxe a indagação sobre o que a sociedade espera do juiz atual.
Inegavelmente, os tempos mudaram, e foi-se a época do juiz encastelado no seu gabinete, vivendo numa redoma. Hoje, a Justiça é proativa, não só porque deve ser, mas porque a sociedade o exige.
A crise de valores que assola a sociedade brasileira tornou o Poder Judiciário o alento para novos tempos. A ética, a moralidade e a gestão eficaz são atributos que não deveriam faltar a ninguém, mas, aos magistrados, estes predicados tornam-se indispensáveis porque a eles se tributa a esperança de um novo amanhã.
Se o juiz não tem a função de legislar, e não pode ter mesmo, porque disto, constitucionalmente, se incumbe o Legislativo, o Brasil de hoje não se conforma com a inércia e quer saber de soluções.
Tempo foi que o juiz devia ser apenas juridicamente culto, honesto e imparcial. É o que bastava. Hoje, porém, um juiz tem que ser íntegro na largueza da expressão.
A integridade, evidentemente, passa pela honestidade, e não poderia ser diferente, mas se estende à imparcialidade, honradez, independência, cultura geral e jurídica. Um juiz moderno tem que estar engajado num processo evolutivo de conhecimento.
Atualmente, sem relegar a lei objetiva, o magistrado contemporâneo há de ter sensibilidade para conhecer os problemas que lhe são postos à apreciação. Justiça sem compreensão humana, sensível, não será nunca justiça. Será, sim, um repositório de normas objetivas, para cuja aplicação, talvez, nem se precise do juiz.
Não se está a defender a alternatividade do direito ou ideologias inovadoras que encontram caminho fácil em correntes ideológicas que conflitam o interesse social com o individual, colocando este à frente daquele. Mas também, o juiz moderno não pode ficar alheio aos movimentos da sociedade em prol de mudanças.
A venda que cerra os olhos do julgador deve refletir a imparcialidade, mas não deve servir para impedir que enxergue os movimentos da sociedade, sua modernidade, seus conceitos atuais e as transformações de costumes.
O juiz moderno fala, comunica-se com a sociedade e com a mídia. Mas não deve ser estrela ou falar sobre o que está nos autos. Expressa suas ideias.
É diligente, preocupado com a rápida solução do processo. Comporta-se com urbanidade, respeita todos os operadores do direito. A arrogância dista dele.
Para ele não existem poderosos e nem diferentes. Há somente o cidadão, que quer ser ouvido, respeitado e que vem ao Poder Judiciário em busca de justiça.
Esse o juiz moderno!
Ricardo Rodrigues Cardozo é desembargador e diretor-geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
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