Ao regulamentar a criação de audiências de custódia pelo país, o Conselho Nacional de Justiça não usurpou nenhuma competência legislativa, pois apenas concretizou norma de caráter supralegal que garante ao preso em flagrante o direito de ser ouvido sem demora por um juiz. Assim entendeu o conselheiro Fabiano Silveira, do CNJ, ao negar pedido apresentado pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais contra regras criadas pelo próprio conselho para disciplinar esse tipo de audiência.
A Resolução 213/2015, publicada em dezembro, determina que todos os tribunais de Justiça e tribunais regionais federais implantem a iniciativa em suas jurisdições até o final de abril. O texto publica uma série de procedimentos para que isso aconteça — fixa, por exemplo, o dever de que o preso seja ouvido em até 24 horas, acompanhado por um advogado ou defensor público e sem a presença de nenhum policial. O objetivo é dar oportunidade para o juiz avaliar se a prisão é mesmo necessária ou pode ser substituída por outras medidas.
Para a Anamages, o ato normativo invadiu competência privativa do Congresso Nacional, onde ainda tramita projeto de lei sobre o tema. A entidade entrou com processo de controle administrativo para tentar suspender imediatamente a resolução, em liminar, e depois revogá-la, por “vício de inconstitucionalidade formal”.
Já o relator do pedido, Fabiano Silveira, rejeitou o argumento de inovação na ordem jurídica. Segundo ele, o CNJ concretizou tratados internacionais ratificados pelo Brasil — artigos 9.3 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos — e o próprio Código de Processo Penal, “a partir da interpretação teleológica dos seus dispositivos (cite-se o artigo 656 do CPP)”.
“É natural que a alteração de rotinas tenha resistências no seu início. Mas é preciso lembrar que já se passaram 23 anos da publicação do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, que culminou na promulgação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos pelo Brasil”, afirmou Silveira. Ele fez referência ao chamado Pacto de San José da Costa Rica, cujo artigo 7º, inciso 5º, define que, nos países signatários, “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”.
O conselheiro aponta que a decisão segue precedentes do Supremo Tribunal Federal, ao julgar duas ações sobre o tema: ADI 5240, movida por associação de delegados contra ato normativo do Tribunal de Justiça de São Paulo, e ADPF 347, quando os ministros reconheceram problemas no sistema prisional brasileiro apontados pelo Psol e determinaram a organização de audiências de custódia pelo país.
Sem improviso
“É preciso esclarecer que a Resolução 213, de 2015, do CNJ, não é fruto de atropelo ou improviso. Ao contrário. O seu texto resulta de um vasto campo de observação e experimentação, na medida em que o CNJ visitou todos os estados da federação discutindo com cada tribunal a melhor forma de implantação das audiências de custódia”, afirma Silveira, ao julgar improcedente o pedido da Anamages.
A associação também ajuizou ação no Supremo para questionar a constitucionalidade da resolução.
Enquanto isso, o conselho espera agora que os tribunais de Justiça e os TRFs apresentem, até o dia 1º de março, planos e cronograma de implantação das audiências de custódia em suas jurisdições.
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Processo 0000006-75.2016.2.00.0000
Fonte: ConJur