A questão posta na mídia que divulgou a concessão de habeas corpus em favor de paciente através de decisão exarada por este julgador no plantão judiciário do dia 28/05/2017, não guarda relação exata com os termos processuais apresentados.
Afirme-se que a decisão apreciou os fundamentos da peça de habeas corpus acrescido de documentos comprobatórios do alegado.
Note-se que no julgado em questão foi determinada a suspensão da prisão preventiva restritiva de liberdade do paciente, mediante termo de compromisso, na forma prevista no artigo 319, incisos I, III e IV do CPP.
Na espécie, o paciente requereu reanálise em sede de plantão da decisão que decretou sua prisão preventiva nos autos em que é investigado por suposta prática de crime de organização criminosa, diante de participação em cooperativa que explora a prática de transporte alternativo de vans.
No caso em questão, diferente do noticiado pela mídia, o paciente não era foragido ou procurado pela polícia há anos. Constam dos autos que foi preso em sua residência por ordem de prisão preventiva decretada nos autos que foram instaurados no corrente ano (2017), conjuntamente com sua mãe, diante da imputação de presença de arma encontrada no quintal da residência. Os outros fatos narrados constam de uma investigação de 2013, não concluída e não conclusiva.
Embora o crime imputado ao paciente (organização criminosa) seja de natureza que merece reprimenda, na situação fática, o paciente ainda é investigado, ou seja, não foi condenado, não se podendo, portanto, exercer um juízo de valor que antecipe uma condenação. Assim, preenchendo os requisitos e, encontrando-se no risco de uma transferência de estado pelo simples fato de ter-se tomado por base o depoimento de uma testemunha (provavelmente uma pessoa que disputa com o paciente o controle da exploração do transporte alternativo) que afirma a periculosidade do investigado, aliado ao fato de que sua mãe foi presa conjuntamente e que esta está acometida de doença grave (pelos sintomas AIDS), o plantão judiciário não poderia se eximir de apreciar o pedido liminar, diante da urgência da questão.
Constou dos autos irregularidades na decretação da prisão do paciente, como exemplo a ausência de individualização das condutas de cada acusado, e, abstratamente, afirmou-se a periculosidade e o risco de ameaça às testemunhas. Constou, ainda, que as condutas investigadas foram realizadas nos anos de 2013 e 2014 e, neste período até a data da prisão dos pacientes (2017) as mesmas testemunhas nunca sofreram qualquer ameaça.
Quanto a prisão preventiva pelo armamento, esta foi decretada com base na ausência de residência fixa ou emprego licito. No entanto, o paciente foi preso em sua residência, sendo, portanto, divergente da informação posta na mídia que afirma sua prisão em uma mega operação para captura de foragidos.
Neste passo, estando presentes o fummus boni iuris e o periculum in mora, concluiu-se pela ausência dos motivos autorizadores da segregação cautelar de prisão preventiva. Ainda que a aplicação de medida extrema para proteção de testemunhas foi considerada equivocada, pois a prisão foi decretada somente após 04 anos da suposta ocorrência do delito. Há clara ofensa ao artigo 315 do CPP.
Consigne-se, portanto, que o fundamento que embasou a decretação da prisão do ora paciente, qual seja: garantia da tranquilidade das testemunhas para prestarem seus depoimentos em juízo, não se apresenta razoável, visto que após 04 anos sem qualquer notícia de moléstia das mesmas, o fundamento utilizado não subsiste.
Note-se, assim, sendo afastado o fundamento de garantia da tranquilidade das testemunhas, a decisão que decretou a prisão preventiva, proferida pelo juízo singular, não apresenta qualquer outro argumento quanto a existência do requisito fumus comissi delicti (existência de um crime e indícios suficientes de autoria), restando este ponto remanescente sem fundamentação e, portanto, sem demonstração por quais razões a liberdade dos pacientes seria atentatória à ordem pública, à ordem econômica, à conveniência da instrução criminal ou à garantia da lei penal.
Portanto, em ofensa ao art. 315 do CPP que dispõe sobre a necessidade de fundamentação da decisão que decreta, e ao art. 93, inc. X, da CF/88 que prevê o princípio constitucional da motivação das decisões, restou acolhida a pretensão do paciente.
Consigne-se, ainda, que a mídia para dar ênfase e importância a liberação de preso preventivamente que, caso contrário, passaria como mais um preso que responderá em liberdade por preencher os requisitos legais, fez uma conexão com um traficante conhecido que processualmente não tem ligação com os autos analisados.
Foi destacado, ainda, na decisão que a “luta” pelo mercado de transporte urbano causa inúmeros conflitos, tomando por exemplo, inclusive, o caso do aplicativo UBER x TAXIS.
Desta forma, havendo uma discrepância nas atuações dos cooperados e dos legalizados pelo ente público, maior e melhor deve ser a investigação quanto a utilização do serviço como meio de profissão, não podendo o judiciário servir de acusador para beneficiar qualquer entidade ou classe, seja ela regulamentada ou não.
Assim, como sabido, ilações abstratas acerca da gravidade do delito em apuração e de clamor público são argumentos inválidos para fundamentar a medida excepcional que é a prisão preventiva.
O decreto de prisão preventiva deve ser fundamento em alguma das hipóteses do art.312 do CPP, dentre as quais não se encontram as ilações abstratas “certeza da impunidade, incentivo à prática criminosa, clamor público e insatisfação da comunidade local”, expressões vazias de conteúdo utilizadas pelo Juiz a quo.
A prisão preventiva tem a natureza de prisão cautelar e, por isso, apenas se justifica ante a demonstração clara por parte do Magistrado de razões de cautela fundadas em elementos concretos de convicção. A toda evidência, não é isso que se verifica no decreto de prisão preventiva.
Este é o entendimento exarado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal do STF no julgamento do Habeas Corpus HC 115795, onde o Relator Ministro Gilmar Mendes fundamentou que não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos, afirmando: “É necessário que a alegação abstrata ceda à demonstração concreta e firme de que tais condições realizam-se na espécie
Tentar justificar a prisão preventiva como afirmado nos decretos ora atacados, configura-se como inaceitável antecipação de juízo de culpabilidade, com flagrante violação ao princípio constitucional da presunção de inocência. In casu, a prisão preventiva está sendo utilizada como antecipação de eventual pena o que, obviamente, é inadmissível.
GUARACI DE CAMPOS VIANNA
DESEMBARGADOR