AMAERJ | 18 de abril de 2017 12:56

Revista FÓRUM: Benefício à sociedade supera vantagens de colaboradores

Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Artigo de JOSÉ AUGUSTO VAGOS
Procurador Regional da República e membro da força-tarefa da Lava-Jato no Rio de Janeiro

Sem as colaborações, não haveria provas tão contundentes trazendo à luz esquemas enraizados de corrupção

A colaboração premiada é uma técnica especial de investigação recomendada pela ONU e pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo) porque é, sem dúvida, o instrumento mais eficiente para identificar organizações criminosas, especialmente as de agentes políticos com alto poder de infiltração e influência na blindagem de ilícitos. O Estado nunca foi capaz de desvendar totalmente a estrutura e o modo de operação desses grupos compostos por gestores públicos e privados, que usam um sofisticado sistema financeiro de ocultação de bens e valores para se apoderar da coisa pública.

No Brasil, as colaborações premiadas se notabilizaram por seu sucessivo uso pela Força-Tarefa da LavaJato em Curitiba. Os relatos espontâneos de ilícitos por aqueles em posição privilegiada na cadeia criminosa instalada na Petrobras, aliados às provas dos colaboradores e/ou produzidas nas investigações, revelaram um diagnóstico preciso do surpreendente alcance da corrupção no Poder Público como um todo.

A partir das primeiras colaborações, o excepcional se tornou comum: criminosos de colarinho branco de grande poder econômico e político experimentando a solução extrema do encarceramento; tribunais superiores mantendo as prisões; e centenas de milhões de reais desviados para propina repatriados e recuperados para os cofres públicos.

Além da competência e da obstinação de policiais, procuradores e juízes, outras condições influenciaram esse novo panorama, num sistema processual penal até então concebido e conduzido para não funcionar contra os privilegiado: i. a contundência das provas; ii. os estarrecedores fatos revelados; iii. o despertar da sociedade para acompanhar as investiga- ções e cobrar o fim da impunidade.

Sem as colaborações, não haveria provas tão contundentes trazendo à luz esquemas enraizados de corrupção, de organizações criminosas sofisticadas e estruturadas há anos em núcleos políticos, econômicos, financeiros e administrativos.

Apesar disso, há críticas por supostos benefícios excessivos concedidos pelo MPF e a Justiça a colaboradores. A cada acordo, são analisadas informações novas sobre crimes e autores; provas oferecidas; importância dos fatos no contexto da investigação; recuperação do dinheiro; perspectiva de resultado sem a colaboração. Na maioria das vezes, é mais importante ampliar investigações sobre outros esquemas e recuperar rapidamente os valores desviados do que ter uma prisão prolongada.

O investigado sabe que num processo criminal clássico por crime financeiro ou corrupção no Brasil tem boas chances de arrastar o caso para a prescrição. Ou, se condenado, que só cumprirá 1/6 da pena em regime fechado – em pena de 18 anos, ficará recluso por três. E só perderá os bens ilícitos após o trânsito em julgado da sentença, caso não prescrita, o que leva muitos anos. Esse contexto deve ser considerado pelos críticos dos supostos benefícios exagerados. Os tribunais absolvem e anulam muito, não aplicam penas altas e a solução definitiva leva anos, em especial as de crimes complexos de colarinho branco. A recuperação de produtos dos crimes é outra dificuldade quase intransponível. E na negociação não há espaço para um jogo de soma zero, onde os payoffs só beneficiam a um ou outro jogador. É um processo que busca construir uma solução mutuamente satisfatória

As colaborações permitiram o compartilhamento de provas e a formação de Forças-Tarefas como a do Rio de Janeiro. Em pouco tempo, estas já levaram à prisão de muitos integrantes da organização criminosa liderada por ex-governador, bloquearam vasto patrimônio do grupo e recuperaram R$ 400 milhões, devolvendo R$ 250 milhões ao Estado, para pagar o 13º salário de 147 mil aposentados e pensionistas.

A prisão exerce importante papel de prevenção – e teria mais se os processos fossem céleres, com condenações exequíveis. Mas a colaboração premiada beneficia ainda mais a sociedade. Abre o espectro de elucidação de crimes, recupera rapidamente valores desviados e inibe quem cogita em integrar organização que pratique crimes contra a administração pública. Agora, todos sabem que qualquer comparsa investigado receberá uma proposta atraente para delatar o esquema. E o delatado poderá ser ele.

Veja aqui a íntegra da revista FÓRUM.