Notícias | 25 de janeiro de 2017 15:28

Personagem de série do Globo, menina de nove anos se salvou nas asas da FAB

* O Globo

Rei de Espanha (1)

Na véspera do dia 20 de junho de 2016, a pequena Ana Júlia Aleixo, àquela altura um fiapo de gente com 16 quilos que não comia nem andava mais e com uma sentença de morte de 15 dias se não conseguisse um transplante, ligou para parentes mais próximos para comunicar que seu coração novo chegara, mas precisavam orar para que cirurgia fosse bem sucedida. Seis meses depois, a menina vibrante que recebeu a reportagem do GLOBO na tarde desta terça-feira tinha uma única preocupação: a mãe Maria Aparecida não tinha terminado de pintar as unhas da outra mão para ficar linda nas fotos.

— Corre mãe, termina de pintar a outra mão! — pedia a menina, hoje com nove anos, cuidadosamente arrumada com um vestidinho azul, tiara de flor na cabeça e um sorriso constante no rosto.

Principal personagem da série de reportagens do GLOBO que venceu o Prêmio Rei de Espanha, Ana Júlia deixou para trás o pesadelo da espera por um coração. Corre o tempo todo e disputa corridas de bicicleta e patinete com o irmão Miguel no meio da rua da periferia de Luziânia (GO), a cerca de 50 quilômetros de Brasília. Mas as lembranças dos momentos que antecederam o transplante ainda estão vivas na memória.

— No dia 19 de julho, eu liguei para todo mundo da minha família falando que meu coração novo tinha chegado. Pedi que orassem porque muita gente não sobrevive nos transplantes. Estava muito feliz, tinha certeza que ia sobreviver, mas fiquei com um pouco de medo. Deu tudo certo e minha vida mudou. Antes quando eu ia pintar os desenhos lá no hospital, só de riscar eu passava mal, ficava cansada. Agora eu brinco, estudo e faço tudo que eu quiser. Quando crescer vou ser atriz de novela infantil — conta Ana Júlia.

O doador apareceu e o coração que seria implantado no peito de Ana Júlia pôde ser transportado para Brasília, depois da publicação das reportagens de Vinicius Sassine que levaram o então presidente interino, Michel Temer, a assinar decreto destinando uma aeronave da FAB exclusiva para o transporte de órgãos. As reportagens mostraram que seguidas recusas da FAB impediram a realização de transplantes porque os jatos estavam sempre a serviço de autoridades.

— Jura que o rei da Espanha ficou sabendo da história da Ana Júlia? Imagina! E a gente achava que essa coisa de rei e rainha era só coisa de filme e livro de histórias. Ela está correndo pra todo lado e fazendo arte. O que ela mais faz é arte — diz a mãe, Maria Aparecida, terminando de cobrir de esmalte as unhas da filha.

Vencida a batalha do transplante, a família de Ana Júlia teve que travar uma outra luta na Justiça, para garantir o fornecimento, pelo governo, de dois remédios que impedem a rejeição do órgão.

Mas há cerca de um mês a família foi informada que a medicação imunossupressora que custa cerca de R$3.500, por mês, acabara e não tinha previsão de quando voltaria. No Instituto de Cardiologia do Distrito Federal, onde o transplante foi feito, Maria Aparecida conseguiu os dois remédios que dariam para 15 dias. Foi necessária uma ação no Ministério Público de Goiás para obrigar a secretaria de saúde a fornecer a medicação para o resto da vida de Ana Júlia.

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Foto: Michel Filho / Agência O Globo

Fonte: O Globo