*Artigo de Joaquim Falcão, publicado em O Globo em 26/11
Muitos deputados e senadores querem apagar o passado e descriminalizar o caixa dois. Têm duas táticas principais.
A primeira é óbvia. Querem dar ordem direta ao Judiciário. Para usar a expressão da moda, querem enquadrá-lo como se dissessem aos juízes: “De agora em diante, esqueçam quem pagou e como pagou minha campanha. Tratem de outros assuntos”.
Mudar as regras faz parte das tarefas constitucionais do Congresso. Mudar as regras para resolver casos concretos e já conhecidos, não. É querer influenciar a decisão judicial. É velada obstrução da Justiça. A lei não serve para tanto. Coloca em questão a independência dos Poderes.
A segunda é que querem mandar às escuras. Ou seja: nem votação aberta, nem votação nominal. Os eleitores não saberão quem está votando e o quê.
Deputados sem rosto tentam aprovar texto que permita uma interpretação extensiva do que seria o caixa dois. Querem mudar o passado. Alcançar e desfazer atos já praticados de lavagem de dinheiro, corrupção e evasão de divisas.
Coloca-se em questão a representatividade da democracia. Amplia-se o vácuo entre governo e Congresso fragilizados e eleitores.
Brigar ao mesmo tempo com o Judiciário e com os eleitores é estratégia de risco máximo. Ninguém quer ser governado por quem quer dar ordens no escuro.
Muitos congressistas já perceberam o risco e se posicionam contra a manobra. O pressuposto dos que querem descriminalizar o caixa dois é que o Judiciário e as ruas não poderão reagir. Afirmam que o Congresso é soberano. Mas mesmo quando não representam e se escondem do eleitor? Aqui reside o risco da crise institucional.
Mesmo que a manobra tenha êxito, Judiciário e Ministério Público ainda terão espaço suficiente para apontar fatos, e fatos, e fatos, e fatos para a opinião pública, a mídia, nacional e internacional, capazes de desestabilizar qualquer base eleitoral.
Sangrar, sem sangue, o Congresso.
Que um Congresso representativo prevaleça.
Joaquim Falcão é professor da FGV Direito Rio