CNJ | 31 de outubro de 2016 10:09

‘A Justiça Além dos Autos’: Eu não Aceito uma Mulher Juíza

gaucho

Juíza de Direito Ana Paula Nichel Santos
Santiago / RS

Tomei posse como Juíza de Direito em fevereiro de 2005, aos 25 anos. Até então, não conhecia a região de fronteira do Estado do Rio Grande do Sul e me classifiquei na Vara Criminal de Santiago.

Logo que cheguei à comarca, numa tarde de audiências para oferecimento de suspensão condicional do processo, adentra à sala um homem todo pilchado, bota, bombacha, camisa, lenço vermelho, bigode grande, “todo a gaúcho”, carregando uma sacola de viagem. Até o momento, eu só via pessoas pilchadas na Semana Farroupilha.

Olhei a denúncia, maus-tratos contra o próprio cavalo, vi que tinha algo de errado, mas, em razão das outras trinta audiências ou mais para aquela tarde, tão logo o gaúcho sentou na minha frente, já comecei a explicar sobre o benefício e suas condições e de que não era obrigatória a aceitação, percebendo, no entanto, que ele não prestava a menor atenção no que eu falava e procurava alguma coisa dentro da sacola.

Quando ele se levantou, retirou da sacola um laço de couro e o jogou em cima da minha mesa. Até hoje, tenho que rir de mim mesma, do susto, em função do barulho da argola de metal batendo na madeira, e, nessa cena tragicômica, o rapaz declarou: “Eu não aceito uma mulher Juíza”.

Estavam, na sala de audiências, nós dois, a Defensora Pública e a secretária, todas mudas, e eu pensando: “Fazer o quê? Afi nal, não falaram nada sobre esse tipo de situação, na preparação de magistrados pela Corregedoria”. Então, fi rmei e elevei o tom de voz e disse: “Ou o senhor aceita uma Juíza mulher, ou vou lhe prender por desacato à autoridade”. Ele sentou novamente, fi cou alguns instantes em silêncio e respondeu que, então, aceitava a Juíza mulher. Não lembro se ele aceitou a proposta de suspensão condicional do processo.

Encerrando a audiência, o rapaz saiu, e apareceu o guarda, que não faço ideia de onde estava, informando: “Doutora, só para dizer, esse rapaz aí não bate muito bem”. Eu agradeci a informação, mesmo que tardia, porque o rapaz transitou, com frequência, pela Vara Criminal, naquela época.