* Gilberto Pinheiro
A falibilidade humana é realidade consolidada na imperfeição e, por isso, muitas vezes cometemos erros em nossas atitudes e avaliações, exigindo de todos nós a crítica e autocrítica para a reparação ou retificação destes mesmos erros. Somos assim e sempre assim seremos – é condição humana.
A imperfeição é parte integrante de nossa alma e a vida se manifesta como importante escola para o nosso aperfeiçoamento diário. Por isso, peço licença aos ilustres leitores para tecer comentário alusivo aos animais e o que consta no Código Civil em relação a eles, algo que precisa ser retificado.
Como sabemos, o Código Civil Brasileiro é de 2002 e, por sua vez, ratifica o entendimento e interpretação do Código Civil de 1916, entendendo os animais como seres semoventes, bens de propriedade e “coisa”. Nos dias atuais, em pleno terceiro milênio, entendo que não cabe mais tal interpretação sectária e discriminatória,haja vista o escopo jurídico que ampara e protege a fauna, em especial a lei federal 9605/98, artigo 32 e, principalmente, o artigo 225 da CF em vigor. Entender animais como “coisa” parece-me algo insólito – com a descoberta da senciência dos animais não cabe mais esta interpretação especista. Precisamos ser audaciosos e até humildes para entender que isso é injusto, afinal, sentem dor, têm emoções como todos nós e isso não gera qualquer dúvida.
SUBSTITUIR “COISA” POR SERES SENCIENTES
Sabemos que o Código Civil Brasileiro prevê dois regimes para regulamentar as ações jurídicas: o de bens e o de pessoas. Não faz alusão a uma outra categoria de direitos relacionados à tutela de animal como ser senciente, essencial à dignidade de sua vida, exatamente, como ocorre no Código Civil de vários países europeus e também das Américas.
Países como a Suíça, Alemanha, Áustria, e França do bloco europeu têm entendimento correto,, entendendo-os como seres sencientes e com legislação específica contextualizada nos Direitos dos Animais.
Nas Américas o Canadá, EUA, Argentina, Uruguai também possuem escopo jurídico à luz da senciência animal e, por sua vez, com direitos assegurados por lei em seus respectivos Códigos Civis.
EUA POSSUEM 171 ESCOLAS DE DIREITO E 92 LECIONAM A DISCIPLINA DIREITOS DOS ANIMAIS
Inclusive, nos EUA, há 171 faculdades de Direito e 92 delas lecionam Direitos dos Animais o que não ocorre ainda no Brasil. Tal evolução nas leis e interpretações tornam-se mister em nosso país, haja vista que a sociedade brasileira, em sua grande maioria, aguarda modificações com leis que assegurem a vida dos animais e sua dignidade, com mudança profunda no Código Civil Brasileiro em relação à especial questão.
Não devemos postergar o que é necessário e fundamental para a nossa evolução e entendimento sobre a vida.
Entendermos animais como “coisa” não cabe mais nos dias atuais, onde o saber se revela e, por sua vez, exige mudanças. Infelizmente, o antropocentrismo e, consequentemente, o especismo são ranços do atraso que persistem nos dias atuais e precisamos entender a vida como um todo e não sectariamente.
RICHARD RYDER – especismo
O psicólogo britânico Richard Ryder foi quem cunhou a palavra especismo ou “atribuição de valores diversos de acordo com o interesse da espécie.” Em outras palavras, quis dizer ser inaceitável a interpretação que “pertencer à espécie humana, garante ao homem maior importância que qualquer outra forma de vida”. Esta concepção de superioridade humana vem dos idos dos tempos, quando o homem ignaro, distante do saber entendia os animais como seres que estão na Terra à disposição de humanos, a seu bel-prazer.
O mesmo ocorreu com escravos e com as mulheres – sempre vistos como seres inferiores. Inclusive, na época do Império no Brasil, embora o regime fosse monárquico tinha-se que votar – só votavam os nobres, fidalgos, comerciantes. O homem e a mulher “brancos” que não fossem abastados, senhores de terras, ricos, não tinham direito a votar. O preconceito se manifestava explicitamente. Se isso ocorria com humanos, imaginem com os animais. Portanto, discriminação nos dias de hoje não cabe mais em hipótese alguma..
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA – Senado Federal
Atualmente, há um texto para fins de projeto de lei do Senador Antonio Anastásia do PSDB de Minas Gerais que faz alusão à mudança no Código Civil, incluindo os animais entre os bens e estabelecer enfaticamente que não são “coisas”. Segundo o parlamentar o conceito de “bem” está intimamente ligado à ideia de direitos sem necessariamente significar contexto econômico uma vez que está relacionado à ideia de utilidade patrimonial. O texto está em análise da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania – CCJ. Possivelmente, será aprovado.
Portanto, torna-se indispensável a insistência em reformar o atual Código Civil em relação à causa animal. Se países mais desenvolvidos que o Brasil têm outra interpretação de forma respeitadora à vida animal, por que ficaremos estacionados no tempo e o atraso plantando para colher a crueldade contra os animais?
Precisamos acompanhar os passos da evolução e entendermos que seres vivos merecem respeito, independente de serem animais. Não importa que não tenham capacidade de abstração, de aprofundar pensamentos, ideias concretas – o que importa é que os animais sentem dor, fome, sede, têm saudades, alegria, tristeza e estão submetidos ao estresse diário por culpa da espécie humana, subjugando-os à infeliz condição de inferioridade, bens de propriedade ou ….”coisa”.
Estudamos para evoluir, nos instruímos em busca de melhor entendimento sobre a vida e não apenas para sermos “vencedores” em nossas profissões. É fundamental que entendamos que todas as manifestações de vida merecem respeito e cabe-nos zelar por elas, especificamente, pela fauna e flora. Somente assim entenderemos que estamos à frente deles na evolução, exatamente, quando a humildade se manifesta e nos faz compreender que eles precisam muito de todos nós.