* Peterson Barroso Simão
Prova é a demonstração da verdade por meio dos fatos.
Meios de prova, na lição de Pontes de Miranda, são as fontes probatórias pelas quais o Juiz recebe os elementos ou motivos de prova, tais como os documentos, as testemunhas e os depoimentos das partes (art. 155 a 250 do Código de Processo Penal). Admissíveis outros meios de prova compatíveis com os princípios de respeito ao direito, à ampla defesa e ao contraditório, além da dignidade da pessoa humana, que são as provas inominadas, devendo ser colhidas de forma lícita e com as cautelas legais.
A persuasão racional dá liberdade de apreciar e valorar as provas vinculando o convencimento à fundamentação, segundo o art. 93, inciso IX da Constituição Federal. Ressalva existe nas decisões tomadas no Tribunal do Júri, onde os jurados decidem por convicção íntima, exceção que se justifica em vista da soberania dos veredictos e sigilo das votações, art. 5, XXXVIII da CF.
A tatuagem, nas últimas décadas, tem sido importante prova de identificação do ser humano, embora a finalidade de sua realização seja outra. Não se deve descartá-la quando necessária e, por isso, deve somar-se às demais.
A arte pré-histórica mostra vestígios de povos que cobriam o corpo com marcas e sinais, embora a palavra tatuagem tenha origem do inglês “tatoo”. No Brasil, há notícias de que as tribos indígenas já se tatuavam, mas a tatuagem artística teria chegado no início da década de 1960, com o dinamarquês Knud Gregersen, que utilizava uma máquina própria e desenhos catalogados.
Hoje parece um costume de muitos, de todas as idades e dos diversos segmentos da sociedade, fazendo-se no corpo verdadeiras pinturas.
Quando presidi o Tribunal do Júri de Niterói, foi realizado um julgamento bastante emblemático pelo trauma causado. Versava o fato sobre homicídio e tentativa de homicídio contra dois jovens que, dentro de um automóvel, desciam, na madrugada, a estrada conhecida como “Garganta”, da Região Oceânica em direção ao Centro. Havia um bloco de carnaval atravessando e se encerrando na rua e o automóvel teve de parar.
Entre aqueles que festejavam, havia um grupo composto por cinco homens e uma mulher. O líder reconheceu, erroneamente, dentro do veículo, que seriam policiais, tanto o motorista quanto o passageiro. Foram então retirados do carro e levados para o alto do morro, ficando de cabeças baixas perante o grupo que dominava o tráfico de drogas no lugar. Lá, desferiram disparos de arma de fogo nos dois inocentes, enterrando-os em valas rasas. Uma vítima morreu imediatamente. A outra, mesmo soterrada e com um projétil na barriga, acordou a tempo e, vendo que estava sob a terra, procurou sobrevivência saindo do buraco.
Rastejando e perdendo sangue, sabedor que os transgressores não mais estavam na proximidade, foi parar num canto da estrada onde passava uma criança, que chamou a mãe e esta acionou a Polícia Militar, que o levou ao hospital.
Felizmente, o jovem bastante forte sobreviveu e pode contar a tragédia. Lembrou que o chefe era um “rapaz gordo e que, na batata da perna, havia uma tatuagem de um rosto de Pierrot”. Disse que não viu nenhum dos bandidos, pois tinha de ficar olhando para baixo e, por isso, era possível ver apenas a tatuagem. As Polícias Militar e Civil agiram em conjunto e, com muita capacidade, logo prenderam o grupo e o chefe, aquele da tatuagem de Pierrot.
Sucederam-se as audiências até o julgamento. Como o acusado sempre comparecia de bermuda, a defesa não se opôs a que ele se levantasse e mostrasse as panturrilhas. Havia sim uma tatuagem, mas de um dragão, e não de um Pierrot.
Soube-se que dentro do presídio ele a teria transformado em um dragão com ajuda de hábil terceiro conhecedor da arte. Só que os olhos do Pierrot, tão bem pintados, permaneceram no corpo do dragão, o que era perfeitamente notado por qualquer cidadão comum. Perícias foram realizadas e constataram a transformação.
Posteriormente realizou-se o Júri. A sentença condenatória, de acordo com o veredicto dos jurados, foi justa e razoável para afastar os inimigos da sociedade para bem longe, e por muito tempo, até que sejam ressocializados.
Assim, a tatuagem tornou-se meio de prova utilizado naquele julgamento, de forma lícita e com as cautelas legais, considerando que o acusado negava a acusação. A Justiça foi realizada e os responsáveis punidos.
Incontáveis os motivos que levam à tatuagem, entre os quais, a expressão natural de vitória, força, fé, alegria, sorte, embelezamento, reconhecimento, gratidão, homenagem, inclusive, por motivos espirituais.
Enfim, a finalidade da tatuagem é trazer felicidade. Realizada, torna-se um fato, com vantagens ou não. Nunca fiz, mas não posso dizer que nunca farei. É uma questão de momento e de fase da vida.
Peterson Barroso Simão é desembargador do Tribunal de Justiça
Fonte: Jornal Corporativo