* João Batista Damasceno
Há uma década, poucos livros tinham a palavra ‘corrupção’ no título. Hoje é difícil manter-se atualizado com as constantes publicações. Mas quase todos têm a mesma abordagem discursiva e vazia do ‘udenismo’. Tal como nos períodos que antecederam à tentativa de golpe que levou Getúlio Vargas ao suicídio e ao golpe de 1964, o assunto está na mídia, nas bancas e nas livrarias. Os personagens que alardeavam o tema e promoviam acusações, cruzadas e golpes enriqueceram ‘vendendo moralidade’. Os personagens e os interesses de hoje são quase todos os de outrora. O moralismo é a ética de quem não tem ética republicana.
Até juízes estão embalados na luta contra a corrupção e fundaram uma associação para isto. Mas juízes têm no nosso sistema o papel de garantidores dos direitos. Numa sociedade na qual os juízes não tenham este papel eles não precisam existir, pois os inquisidores podem tudo para obter a ‘prova’ do que estão convencidos, e os linchadores já exercem com eficiência a função de realizar justiçamento fundado em sentimento momentâneo, despidos da racionalidade civilizatória. Na luta contra a corrupção, presidentes de tribunais têm usado o Diário Oficial para comunicar a criação da referida entidade privada. Não é a primeira vez que entidades privadas se envolvem com os tribunais e compartilham suas entranhas, dificultando a distinção entre os interesses público e privado. Um tribunal estadual, em tempos passados, se associou a uma ONG presidida por um desembargador aposentado. A ONG recebia do tribunal verba pública a título de mensalidade, ocupava suas dependências, e seu presidente exercia a advocacia, até mesmo contra o tribunal como noticiou O DIA , sem qualquer desmentido.
Aristóteles, na obra ‘Da geração à corrupção’, trata o mundo concreto como forma corrompida do mundo ideal com a concepção transcendente de justiça, verdade e belo herdada de Platão. Mas temos limitado o conceito de corrupção ao suborno, traduzido no pagamento indevido para obter vantagem indevida ou afastar a consequência por transgressão. Este é um dos tipos de corrupção tipificados em lei. Além dos casos legalmente definidos é também corrupção tudo o que não é próprio de recebimento ou atribuição e que o compadrio, a parentela e o patrimonialismo dificultam a percepção. O suborno dado ao guarda de trânsito para fugir da multa pela falta de um equipamento obrigatório é corrupção, mas também a elaboração da lei que o obriga, se desnecessário. O roubo num bote a remo mediante ameaça com um canivete tem a mesma natureza da apropriação do petróleo do mundo em grandes petroleiros mediante ameaça com bomba. O tamanho da apropriação não altera a natureza do que se pratica. A pior corrupção é a institucionalizada e que a ideologia nos faz acreditar lícita.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito
Fonte: O Dia