* João Batista Damasceno
O prefeito Eduardo Paes, em entrevista sobre a remoção da Vila Autódromo, disse que a área fora pública e que não poderia ter sido doada para ninguém. A doação fora por 100 anos. O Estado firmou termo de concessão real de uso e garantia direito à moradia por algumas gerações. O que a cidade do Rio está vivenciando é o afastamento dos pobres das áreas valorizadas e uma política que intensifica o apartheid social no Brasil.
Na sua fala, o prefeito demonstrou desconhecimento de nossa história. Qualquer estudante sabe que Portugal se apossou do território que batizou de Brasil e assim, na origem, toda terra era pública. As capitanias hereditárias são exemplos de doações feitas pelo rei. Na verdade, tal como na Vila Autódromo, não se tratava de doação. As capitanias eram concessões de uso do solo, perpétuas e vitalícias, transmissíveis aos herdeiros. Mas condicionadas ao uso da terra. No caso da Vila Autódromo deveria servir para moradia, direito inscrito na Constituição.
A Lei de Terras editada por D. Pedro II, em 1850, disse que toda propriedade imóvel no Brasil era pública, salvo as que tivessem entrado no domínio privado. Este conceito se mantém. Significativas áreas de domínio privado decorrem da grilagem de terras públicas, sempre com conivência de agentes públicos. Assim foi com o latifúndio e com a especulação imobiliária de propriedades urbanas.
Se prevalecesse o argumento de que terra pública não pode ser entregue a particulares, tal como se argumentou no caso da Vila Autódromo, teríamos a possibilidade de expropriação de toda propriedade imóvel no Brasil. O que o prefeito não falou é que aquela área que hoje é nobre não deveria ter sido doada a pobres. O que está acontecendo no Rio é o desalijamento destes a fim de satisfazer à especulação ou constituir reservas imobiliárias.
Reportagem do DIA demonstrou que remoções para construção do BRT não serviram para tal, pois este passou longe das áreas-objeto das remoções e que hoje estão cercadas e sem uso. Tal como no início do século 20, quando o prefeito Pereira Passos expulsou os pobres do Centro para os morros ou subúrbio, a pretexto de higienização, a política fundiária no presente momento tem igualmente o objetivo de afastamento dos pobres das áreas valorizadas, a fim de satisfazer a especulação imobiliária, aprofundando a discriminação social na ocupação do solo.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito
Fonte: O Dia