Notícias | 15 de junho de 2015 15:05

Revista O Globo publica entrevista com juiz Carlos Eduardo Figueiredo

O juiz Carlos Eduardo Figueiredo anunciou, na Revista O Globo deste domingo (14), que prepara um livro com histórias vividas nos dez anos à frente da Vara de Execuções Penais (VEP). Com o título provisório de “O código das celas”, a obra trará 15 crônicas do magistrado.

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Carlos Eduardo Figueiredo: “A punição é apenas uma das funções da prisão” | Foto: Mauro Ventura

Confira a íntegra da entrevista:

Dois cafés e a conta com Carlos Eduardo Figueiredo

Difícil alguém que conheça tanto as prisões do Rio como o juiz Carlos Eduardo Figueiredo. Por mais de dez anos, esteve à frente da Vara de Execuções Penais (VEP), acompanhando o cumprimento da pena dos mais de 30 mil presos do estado. Decidia a vida deles: se seriam soltos, teriam direito a benefícios, iriam para outros estados (hoje o titular da VEP é o juiz Eduardo Oberg). Além disso, durante três anos foi corregedor dos presídios. Visitava as mais de 50 unidades e interditou algumas delas. Agora, aos 42 anos, o filho de uma dona de casa com um policial civil que virou advogado está transformando a experiência em livro. Uma das histórias do juiz, atualmente no Tribunal do Júri de Duque de Caxias, fala do projeto que criou quando estava na VEP, Lutando pela Vida, que ensina lutas marciais a detentos de dez unidades. Para criar o projeto, ele se inspirou na história de Fábio Leão, ex-traficante que treinava na prisão e, ao sair, sagrou-se campeão de muay thai. Leão estrelou anúncio de TV, virou palestrante e professor do projeto do juiz, e vai ter a vida contada no filme “O campeão”, de Paulo Thiago, com o ator Thiago Martins. Só que Leão foi preso mês passado tentando entrar com uma arma numa prisão onde dava aula.

REVISTA O GLOBO: Como será o livro?

CARLOS EDUARDO FIGUEIREDO: O título provisório é “O código das celas” e trará 15 crônicas. Brinco que será baseado em histórias surreais. É que é até difícil acreditar que ocorreram. Mas são casos reais com uma roupagem ficcional. O livro tem dois objetivos. O primeiro é revelar o dia a dia nos presídios. E o outro, o principal, é mostrar que há jeito de recuperar o indivíduo. De alguma forma estarei presente nas histórias. Um exemplo. Fui jogador profissional de futebol e tive por dois anos como companheiro na Portuguesa e no Heliópolis um rapaz chamado Ronaldo. Ficamos muito amigos. Ronaldo era irmão do traficante Miltinho do Dendê, mas não tinha envolvimento com o crime. Depois, cada um foi para outros clubes. Me formei em Direito, estudei para concurso e virei juiz. Ronaldo virou traficante e foi preso. Após 12 anos, ele tinha direito a regime aberto. Acabamos nos reencontrando, eu na VEP, ele na prisão. Assinei o alvará de soltura, ele largou o crime e foi trabalhar num escritório.

Conte mais histórias.

Cada uma terá o ponto de vista de um personagem. Um funcionário que é feito refém numa rebelião, uma prisioneira que é eleita Miss Talavera Bruce (presídio feminino), uma ameaça de morte a mim e a minha filha, um guarda que quase atirou no helicóptero da Globo achando que era um resgate. O livro não terá só histórias de sucesso, também incluirá os fracassos. O maior talvez seja Fábio Leão. Fiquei em estado de choque, muito triste, por ele e pelo projeto Lutando pela Vida. Fábio era o maior holofote do projeto. Mas é importante que o trabalho continue. Quando criei, ouvia muito: “Mas ensinar luta para presos não estimula a violência?” Não, arte marcial tira da ociosidade, dá autoconfiança, autodeterminação e autocontrole. E para participar o preso não pode ter desvio comportamental nem histórico de violência na cadeia.

O que você mostra no livro sobre o sistema penitenciário?

Mostro que a punição é apenas uma das funções da prisão. Outra é a ressocialização, para evitar que ele volte a delinquir. A maioria esmagadora dos presos vem de população carente. Se sua mulher não for muito firme arruma outro para sustentar os filhos. Quando ele é solto, está sem família, sem casa e sem emprego. Sai com a pecha de ex-presidiário e não tem sequer dinheiro para a passagem. E aí vem o tráfico e agasalha essa pessoa. Para acabar com a reincidência só vejo dois pilares. O primeiro é capacitar o preso, com cursos profissionalizantes, esporte e estudo. O outro é dar chance para que exerça essa capacitação ao deixar a prisão, encaminhando para um trabalho. As duas coisas caminham juntas. Não adianta capacitar e esquecê-lo quando for solto. Assim como não resolve dar oportunidade se ele não for capaz de exercer a tarefa.

Tem gente que acha que não se deve investir no preso…

Investir no preso não é ser bonzinho, não é passar a mão na cabeça dele. É proteger a sociedade. Ele já está sendo punido com a privação da liberdade. Enjaular é muito mais fácil do que recuperar. Só que o cara enjaulado é um tiro no pé, porque mais cedo ou mais tarde ele vai sair. E o que queremos é que ele saia melhor do que entrou.

Fonte: Amaerj com informações do jornal O Globo