Notícias | 14 de janeiro de 2015 04:37

Direitos fundamentais

* Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho

Em regimes democráticos, é muito frequente o choque entre direitos fundamentais, como, por exemplo, o sigilo da fonte e o segredo de Justiça, ambos previstos na Constituição brasileira. Especificamente sobre esse confronto é que versou a decisão, em caráter liminar, do presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, divulgada recentemente pelos meios de comunicação, fazendo prevalecer o sigilo da fonte. Tratava-se do caso do “Diário da Região”, e de um jornalista seu, que tiveram os sigilos telefônicos quebrados para que se descobrisse a fonte de uma informação, coberta pelo segredo de Justiça.

O instituto do sigilo da fonte decorre do direito fundamental de informação, também previsto na Constituição, e de uma faculdade nele inserida: a faculdade de investigar. Em consequência, tanto a investigação jornalística e a publicação do que se apurou, bem como todos os instrumentos utilizados pelos jornalistas para tal publicação, estão genericamente incluídos na proteção constitucional. Isso quer dizer que ligações telefônicas, fotografias, filmagens, documentos, tudo está igualmente protegido. Não se trata somente de uma prerrogativa da imprensa, mas de direito, sobretudo, do informante, e da sociedade, para ser bem informada. E é também um dever do jornalista, cuja violação pode ensejar um processo criminal pelo artigo 154 do Código Penal (violação do segredo profissional). O Conselho da Europa, em deliberação de 1973, estatuiu claramente que o sigilo se opõe, inclusive, às autoridades públicas e judiciais.

De outro lado, o segredo de Justiça tem a finalidade de proteger o direito fundamental à intimidade dos envolvidos em investigação ou processo judicial e o interesse social em não publicizar o que ainda não está provado, o que pode, inclusive, prejudicar as investigações. Nas investigações e processos criminais, há casos de segredo de Justiça estabelecido por lei (como nas delações premiadas, em que pese não estar sendo muito respeitado em casos rumorosos, como o da Petrobras) ou por decisão judicial quando houver necessidade de proteção à intimidade. Visa, sobretudo, a dar efetividade a outro princípio constitucional, o da presunção de inocência, que só termina diante de sentença condenatória contra a qual não caiba nenhum recurso. Seu descumprimento também constitui crime de violação de segredo profissional. Há países que são muito rigorosos no sentido de proteger as pessoas que são investigadas, como Portugal, onde a regra é o sigilo durante a investigação, em nome da presunção de inocência.

Enfim, são dois direitos fundamentais de grande importância para o regime democrático. É preciso cultivá-los. Se os profissionais da imprensa são extremamente ciosos com o sigilo de suas fontes, o mesmo não se pode dizer dos profissionais do Direito, os primeiros a violar o segredo de Justiça. Aí está uma grande diferença que merece uma reflexão: os jornalistas não são os receptores originais das informações policiais ou judiciais; são os profissionais do Direito (policiais, promotores, advogados, juízes etc). No meio jurídico, não há a cultura de preservar as informações policiais ou judiciais porque não há a cultura da presunção de inocência. Pelo contrário, ainda vige a cultura da presunção de culpa. É preciso refletir sobre como dar maior efetividade ao segredo de Justiça, a partir, em primeiro lugar, da cultura dos profissionais do Direito. A estes, portanto, devem ser apontadas as nossas reflexões e também as diligências investigativas para descobrir os autores das revelações cobertas pelo segredo de Justiça.

Por isso, agiu bem o ministro Ricardo Lewandowski ao suspender a decisão que permitia a quebra do sigilo telefônico do jornal e do jornalista, preservando o direito fundamental do sigilo da fonte.

L. Gustavo Grandinetti C. De Carvalho é desembargador aposentado e especialista em direito de imprensa

Fonte: O Globo