O juiz federal é mal pago e pouco valorizado. Ao mesmo tempo, as responsabilidades e o trabalho dos juízes federais têm crescido na mesma proporção em que o Judiciário tem aumentado sua participação na vida social e política do país. É diante desse quadro pouco animador que o juiz federal Antônio César Bochenek pretende pautar sua gestão à frente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, para a qual foi eleito presidente em abril último.
Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Bochenek diz que o processo eletrônico, por exemplo, acelera a tramitação do processo, abreviando ritos e prazos e aumentando a demanda de trabalho intelectual do juiz, que jamais poderá ser substituído pelo computador. Mas nos últimos tempos, o CNJ, a quem caberia o planejamento do Judiciário para enfrentar problemas como esse, preocupou-se principalmente em perseguir juízes com processos disciplinares. “Na gestão do ministro Joaquim Barbosa, o diálogo com as associações não fluiu como deveria”, queixa-se Bochenek. “Houve uma priorização dos julgamentos de processos disciplinares e com isso as políticas de planejamento e gestão não avançaram”.
Ele reclama também da decisão do ex-presidente do STF de suspender a aplicação da Emenda Constitucional que criou quatro novos tribunais federais. Para ele a medida não só racionalizaria e distribuiria melhor a carga de trabalho dos tribunais, como facilitaria o acesso à Justiça para os jurisdicionados. “Não há então motivo ou dados objetivos que contrariem a necessidade da instalação desses tribunais.”, Ele diz também que um projeto que foi amplamente discutido no congresso por anos seguidos, acabou barrado por uma única pessoa, numa decisão tomada num repente.
Um exemplo da fase de desprestígio por que passa magistratura é dado pela proposta da Ordem dos Advogados do Brasil de se exigir de juízes e procuradores aposentados a aprovação no Exame de Ordem caso queiram voltar ao exercício da advocacia. “Por que o juiz que tinha condição para julgar durante tanto tempo não terá condição para advogar depois de se aposentar?”. A resposta ele espera que seja dada com a não aprovação da proposta.
Eleito presidente da Ajufe em abril, Bochenek tem um mandato de dois anos para executar seus planos e projetos com vistas principalmente a resgatar o prestígio da classe. Antes de chegar ao comando da associação nacional da categoria, já tinha presidido a seção paranaense da entidade, a Apajufe. Formado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), Bochenek é juiz federal desde 2000. Atuou em Curitiba, Foz do Iguaçu e Ponta Grossa.
Leia a entrevista:
ConJur — De acordo com o Censo do CNJ, os juízes federais são os mais insatisfeitos com a carreira. Por que isso?
Antônio César Bochenek — Porque os juízes federais recebem menos que os juízes estaduais que ainda gozam de algumas outras prerrogativas. Em alguns estados os tribunais conseguiram implementar algumas previsões, como o auxílio moradia, que os juízes federais não têm. Essa disparidade de tratamento entre as carreiras jurídicas promove essa insatisfação maior dos magistrados federais.
ConJur — O que é necessário pra resolver a questão da valorização?
Antônio César Bochenek — A valorização da magistratura não passa unicamente pela questão remuneratória. Ao longo dos anos a magistratura recebeu cada vez mais encargos. A cobrança é cada vez maior e o reconhecimento menor. Além disso, houve um aumento no número de ações, na carga de trabalho. A informatização dos processos acelerou o julgamento, implicando em um trabalho intelectual maior dos juízes. A valorização passa também pela criação de mecanismos e ferramentas apropriadas para que o juiz tenha condição efetiva de trabalho no seu gabinete, na sua cidade e que possa dar resposta às demandas jurisdicionais no tempo adequado.
ConJur — Nenhum TRF conseguiu cumprir todas as metas do CNJ. Essas metas são atingíveis?
Antônio César Bochenek — A estipulação de metas e de cronogramas de trabalho é importante. Mas, é preciso haver um planejamento estratégico e isso não acontece. Com isso a meta não atinge seu objetivo, que é uma prestação jurisdicional eficiente. É importante, que as metas quando estabelecidas sejam trabalhadas a partir de uma participação efetiva do judiciário e não impostas de cima pra baixo. É preciso uma construção democrática e transparente do Judiciário.
ConJur — Há esse diálogo atualmente?
Antônio César Bochenek — Na gestão do ministro Joaquim Barbosa, como presidente do Supremo Tribunal Federal, o diálogo com as associações e com a magistratura não representou as experiências anteriores. Esperamos que com a nova presidência [do ministro Ricardo Lewandowski] o diálogo seja restabelecido e que as associações possam contribuir efetivamente nesses processos. No início do ano, as associações foram convidadas pelo CNJ para participar de um evento sobre a valorização da magistratura. Porém, depois nós fomos excluídos desse processo. Nós, junto com outras associações de magistrados, emitimos uma nota sobre esse fato.
ConJur — Qual o balanço que o senhor faz da gestão do ministro Joaquim Barbosa à frente do CNJ?
Antônio César Bochenek — Joaquim Barbosa pautou mais processos disciplinares. Houve uma priorização dos julgamentos de processos disciplinares e, com isso, outras políticas não tiveram tratamento do mesmo tamanho. O ministro não manteve um diálogo efetivo e constante com as associações.
ConJur — É preciso mudar a formação do bacharel em Direito?
Antônio César Bochenek — Sempre é possível aprimorar. A arbitragem é um exemplo do que pode ser melhorado. Poucas faculdades ensinam arbitragem. A formação jurídica no Brasil já parte para o ensino em torno da litigiosidade. Outro ponto é a questão humanística. O CNJ ditou uma resolução que prevê a cobrança de conteúdos de formação humanística como sociologia, deontologia, ética, filosofia, psiquiatria forense. São conteúdos que voltam pra uma posição mais humanitária do magistrado. Se o próprio CNJ cobra isso no concurso público, esses conteúdos também precisam ganhar um enfoque destacado durante a formação acadêmica.
ConJur — A Emenda Constitucional 73/2013, que cria quatro novos tribunais regionais federais, está parada aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal. Esses novos TRFs desafogariam o judiciário?
Antônio César Bochenek — Sim. A criação dos novos tribunais permitirá uma descentralização, o que proporcionaria um acesso a justiça de segundo grau maior. Hoje o TRF da primeira região é responsável por mais de 80% do território nacional. Ele abrange treze estados e o Distrito Federal. Com os novos TRFs teríamos inevitavelmente uma prestação jurisdicional num tempo mais adequado. É importante destacar que isso foi debatido exaustivamente pelo Congresso Nacional por mais de uma década. Não há então motivo ou dados objetivos que contrariem a necessidade da instalação desses tribunais.
ConJur — O ministro Joaquim Barbosa poderia ter suspendido a criação dos TRFs como ele fez?
Antônio César Bochenek — Não é razoável que um ministro do Supremo, em regime de plantão, se manifeste de forma tão rápida a respeito de uma emenda que foi amplamente discutida e aprovada no Congresso Nacional. Mas o nosso sistema permite que um ministro do Supremo conceda uma liminar suspendendo os efeitos de qualquer norma, o que é estranho. É preciso repensar esse sistema.
ConJur — O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apresentou um estudo afirmando que a criação dos TRFs é uma medida cara e desnecessária. De acordo com eles seria melhor reorganizar o Judiciário, realocando os juízes de tribunais mais improdutivos nos tribunais com maior demanda. Isso é possível?
Antônio César Bochenek — Realocar força de trabalho é até possível, mas não se pode mudar um juiz de uma região para outra. A Ajufe entende que a criação é necessária com dados objetivos: volume de processos, quantidade de casos, proximidade com o jurisdicionado, etc. Agora as alternativas apresentadas foram simplesmente alternativas faladas, sem ter comprovação.
ConJur — No dia 31 de março as associações de magistrados fizeram uma ação conjunta pedindo alteração nos regimentos internos dos tribunais para que fosse implantada a eleição direta. Como está essa questão?
Antônio César Bochenek — Nós defendemos as eleições diretas nos tribunais, a democratização. Dos três poderes, o judiciário é o que menos se democratizou. Mas esse é um processo de convencimento e de continuidade das ações para que no futuro nós consigamos o objetivo. Na Justiça Federal, nenhum TRF adotou eleição direta ainda.
ConJur — O senhor defende uma alteração na composição da Justiça Eleitoral, para que exista maior participação dos juízes federais?
Antônio César Bochenek — Hoje em dia é plenamente possível que os juízes federais tenham maior atuação na justiça eleitoral. Antes a justiça estadual estava mais próxima, mas a justiça federal se interiorizou e está capilarizada. Por isso, hoje a justifica federal poderia atender essas demandas. Mas, a única maneira de alterar isso é por uma Emenda Constitucional. Inclusive, há emenda nesse sentido, mas a discussão não avançou e atualmente está parada.
ConJur — É possível acabar com a competência delegada da justiça estadual?
Antônio César Bochenek — Sim, inclusive já acontece em alguns lugares como no Sul e Sudeste, onde a justiça federal está mais disseminada. Nós temos experiências exitosas de redução da competência delegada com a instalação dos juizados avançados na 4ª Região (Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina). Para uma proposta mais concreta seria necessária uma alteração constitucional que determina as competências da Justiça. Mas isso deve acontecer de forma transitória, não pode ser feita de forma impositiva, direta e imediata.
ConJur — A Ajufe pediu no STF que fosse especificado o prazo para que a presidente da República nomeasse ministros ou desembargadores, mas a liminar foi negada.
Antônio César Bochenek — É preciso ter um prazo razoável para essas nomeações. O objetivo desse Mandado de Segurança é justamente evitar que magistrados ficassem seis, oito, nove, dez meses aguardando a nomeação pela presidente da República. Os 20 dias foram apenas uma sugestão, mas poderia ser 30. O importante é ter um prazo determinado para evitar que a nomeação se alongue por meses, criando uma situação de transitoriedade e insegurança. Além da parte jurisdicional da resolução dos processos, há também o lado pessoal do magistrado, se ficará onde está ou se vai para o tribunal.
ConJur — Qual é o papel da Ajufe, defender os interesses dos seus associados ou lutar pelos direitos da sociedade?
Antônio César Bochenek — Nós atuamos na defesa dos direitos dos associados, nas questões das prerrogativas . Mas também temos uma preocupação com o que a Ajufe pode oferecer à sociedade. Isso implica na própria valorização da magistratura. As pessoas passam a conhecer e valorizar o trabalho do juiz.
ConJur — A sociedade entende qual é a função do juiz?
Antônio Cesar Bochenek — Há espaço para que as pessoas tomem conhecimento ampliado de todas as funções e da importância no magistrado na sociedade. É nisso que a Ajufe tem se empenhado, seja na relação social, na interação com a imprensa, interação com projetos envolvendo a Justiça, inclusive as boas práticas. Essas ideias permitem que a sociedade tome um conhecimento ampliado do que é a justiça como um todo e passe a compreender melhor o papel, a responsabilidade e as funções do juiz.
ConJur — Como tem sido a atuação no legislativo?
Antônio César Bochenek — Uma das frentes diz respeito à remuneração. Apesar de existir o diálogo, há uma dificuldade para acertar os termos do reajuste remuneratório. Há uma defasagem em torno de 30% nos últimos oito anos em relação ao valor que nós recebíamos.
ConJur — Além disso há a PEC 63, que trata da valorização por tempo de serviço.
Antônio César Bochenek — Há uma inversão de valores na lógica de retribuição pelas atividades prestadas no serviço público. Somente a magistratura não tem nenhum tipo de progressão funcional na carreira. Com isso, outras profissões, também importantes e que merecem ser bem remuneradas, acabam recebendo mais do que a magistratura e essa profissões têm menos limitações e menos responsabilidades do que o juiz.
ConJur — A PEC 63 pode gerar uma bola de neve, com profissionais de outras carreiras de estado exigindo os mesmos direitos?
Antônio César Bochenek — Se nós entendemos a questão simplesmente como um aumento remuneratório, sim. Mas os fundamentos e as razões da PEC, que é a valorização da magistratura, são específicos e se referem somente à magistratura e ao Ministério Público.
ConJur — O senhor concorda que o Ministério Público também deve receber este adicional?
Antônio César Bochenek — Sim, porque também não tem esse regime de progressão. O que ele recebe por ingresso é o mesmo que recebe quando se aposenta. A lógica para o Ministério Público é a mesma da magistratura.
ConJur — Qual seu posicionamento sobre a PEC 399/2014 que pretende condicionar o exercício da advocacia por promotores, juízes e delegados, inativos ou aposentados à prévia aprovação em Exame de Ordem da OAB?
Antônio César Bochenek — Essa proposta não tem lógica. O juiz julgou por 20, 30 anos e agora terá que ser submetido ao exame da OAB para, depois de aposentar, poder advogar. O juiz tinha condição para judicar durante tanto tempo e não terá condição para advogar? Não me parece coerente.
ConJur — Qual a opinião da Ajufe sobre o novo CPC?
Antônio Cesar Bochenek — A Ajufe tem uma comissão coordenada pelo desembargador Aluísio Mendes, do TJ do Rio de Janeiro, que fez algumas propostas à comissão do CPC no Congresso. O objetivo é alterar pelo menos três pontos do projeto aprovado pela Câmara dos Deputado. Nos dispositivos que tratam da tutela antecipada e do efeito meramente devolutivo como regra geral nas apelações, a Ajufe defende o retorno do texto aprovado anteriormente no Senado. No caso dos embargos infringentes de ofício, os juízes federais propõem a supressão do dispositivo aprovado na Câmara.
Fonte: ConJur