* Siro Darlan
O Papa Francisco conversava com jovens quando um deles perguntou “se o Papa era comunista”. Rindo muito, o Pontífice confirmou ser comunista, como deveriam ser os primeiros cristãos que compartilhavam tudo o que tinham, sem apegos materiais. Essa cena me inspirou a escrita de um artigo publicado no DIA, sob o título ‘O Papa é comunista, e eu também’. Na época o artigo não causou tanta celeuma, mas nesses últimos dias os comentários bombaram no meu blog, a maioria raivosa, condenando essa ironia.
Alguns mencionaram e transcreveram todas as Encíclicas da Igreja condenando o comunismo, e muitos me excomungaram. Outros, menos tolerantes, me condenaram a arder no fogo do inferno. Ora, desde que eu esteja acompanhado do Papa Francisco, irei feliz para qualquer lugar na certeza de que estarei muito bem acompanhado. Não é sem motivos que se especula o perigo que corre Sua Santidade por sua coerência cristã. Muitos são os que estão descontentes com sua palavra, coerente com a Sagrada Escritura, de desapego aos bens materiais, com seu exemplo de humildade e serviço. Houve até aqueles que indagaram se não tinha medo de um atentado e da ameaça de que “vigaristas como você também morrem sem saber”.
A Igreja que serve é a Igreja do Cristo, e não aquela que condena. A Igreja que acolhe é misericordiosa, e não excludente ou rica em adornos. Evidente que a Igreja em seus primórdios foi mais fraterna e solidária. Os cristãos perseguidos e martirizados eram comunistas na divisão de tudo que partilhavam entre si, e por isso sobreviveram e sedimentaram uma Igreja para sempre. O egoísmo e a ignorância da violência contra os semelhantes têm seus dias marcados e perecem com seus autores. Os cristãos eram conhecidos pelo partir do pão, ato transformado em sacramento da Eucaristia, para lembrar para sempre a obrigação de partilhar e ter valores em comum.
Também foi num julgamento que a turba revoltada e insana pediu a condenação de um inocente. Talvez seja essa a razão de muitos tribunais terem retirado a imagem do Cristo de seus recintos, para que possam ser realizadas “tenebrosas transações” sem o testemunho do Crucificado. A história se repete, e modernamente aqueles que antes gritavam “crucifica-o, crucifica-o” continuam, mesmo sem conhecer a acusação, nem o que consta dos autos do processo esbravejando “prende, prende”; “são bandidos e baderneiros”. O raciocínio e a racionalidade de uma turba raivosa é perigosa porque não tem limites. Constituição pra quê? Devido processo legal pra quê? Vale o que diz o jornal que serve ao interesse daqueles que lhes pagam.
Nunca é demais lembrar que 11 jovens manifestantes da Palavra partiram da Palestina para divulgar a Boa Nova e foram perseguidos, presos, humilhados e martirizados por semear o Amor entre os gentios. A mensagem foi taxada de subversiva, terrorista, infiel, mas sua semente brotou e modificou muitos corações endurecidos e violentos.
Quero tranquilizar as viúvas dessa turba inflamada: mesmo sendo comunista, jamais “comi, nem comerei criancinhas”. Apenas continuarei aplicando o direito com toda a fundamentação legal e sem me deixar pautar pelas injunções que desejam impor-se às leis com pressões indevidas sobre os julgadores. Assim como Salomão, nada peço para mim e muito menos a morte de meus inimigos, apenas que Deus me dê discernimento e um coração sábio e inteligente para praticar a justiça.
* Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Coordenador-Rio da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: O Dia