*Siro Darlan
Recebi uma mensagem dramática de uma amiga no Facebook narrando que sua casa fora invadida por um menino de rua que entrou como um rato e furtou o celular que estava em cima da mesa. Apenas sua sogra estava em casa, e nada aconteceu com ela. O jovem, de 13 anos, foi detido sem qualquer reação, e aí começou o seu drama. Ligou para o 190, que mandou que ligasse para o Conselho Tutelar, que mandou que ligasse para a DPCA, que finalmente levou o jovem para registro na Delegacia Policial.
Minha amiga no Facebook ficou surpresa por saber que um jovem de 13 anos não tem qualquer identificação. Há 40 anos Chico Buarque já cantava esse fato em seu clássico Meu guri, que furtava documentos para finalmente se identificar. Conclui minha amiga que “o povo clama por redução de maioridade penal, e entende que isso não resolverá o problema”.
É verdade, o desabafo retrata em preto e branco a triste sina desses jovens colocados no laboratório criador da marginalização do ser humano levado ao seu grau máximo de degradação. Crianças são abandonadas sem lenço e sem documento, sem que seus direitos mínimos de proteção e educação sejam respeitados, e buscam a sobrevivência numa sociedade consumerista e egoísta que, ao invés de buscar soluções inclusivas, insiste numa maior exclusão social, com o aprisionamento precoce de jovens que sequer têm nome e reconhecimento de sua existência como pessoa em desenvolvimento e sujeito de direitos.
A violência contra as crianças é uma marca registrada dessa sociedade, que recebe tão bem os estrangeiros e trata como estranhos suas próprias crianças. Não reconhece seus direitos e lhes vira as costas quando elas pedem o pão da sobrevivência. A falta de políticas públicas e mecanismos de defesa desses cidadãos em formação é uma realidade em cada esquina dessa cidade. Vejam como reagem os mecanismos de proteção jogando o “problema” uns para os outros, porque na realidade o que existe é um arremedo de sistema de proteção que não funciona.
Há 13 anos esse jovem perambula pela cidade em busca de seus direitos e da proteção integral que lhe assegura o texto de nossa Carta Magna. Vive como um rato faminto esgueirando-se de casa em casa, de rua em rua, em busca de comida e afeto. Não recebeu, dessa vez, o açoite público da vingança pelas próprias mãos, tão em moda nos últimos tempos. Até quando continuará furtando celulares na ânsia de se comunicar e fazer entender que é preciso se respeitar ante os seus direitos para que aprenda a respeitar, como consequência, os direitos de seus semelhantes.
Triste ver a mensagem de um candidato a mandatário máximo da nação apregoar como política de Estado não o aumento das escolas e hospitais públicos e o incremento do sistema de garantia de direitos dos mais vulneráveis e sim que pretende reduzir a idade penal para encher ainda mais os presídios de excluídos e marginalizados. Na prática, o que promete é o aumento da violência e o alargamento que separa os brasileiros entre aqueles que têm respeitados seus direitos fundamentais e aqueles que já nascem condenados ao desterro social e à marginalidade cidadã.
*Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia
Fonte: Jornal do Brasil