O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) julgaram cerca de 40 mil habeas corpus nos últimos seis anos. Pouco menos de um terço desses recursos, no entanto, nem deveria chegar às Cortes superiores, segundo estudo elaborado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). São casos em que já há jurisprudência (decisão que deve ser seguida pelas instâncias inferiores). O problema é que os tribunais de primeira e segunda instância não têm respeitado essa jurisprudência.
Em média, cerca de 28% de todos os habeas corpus que chegaram ao STJ entre 2008 e 2012 foram aceitos pela Corte, mudando decisões que haviam sido tomadas por juízes em tribunais estaduais, segundo o professor da FGV Thiago Bottino, coordenador da pesquisa. O estudo analisou cerca de 197 mil pedidos que foram julgados pelas Cortes superiores num período de cinco anos.
Em alguns casos, a taxa de sucesso de advogados foi ainda maior que a média. No caso de pedidos originados em São Paulo, quando os recursos pediam a revisão do regime inicial da pena para acusados de roubo, a taxa de sucesso atingiu 62%. Casos que envolvem os chamados furtos de bagatela ou de insignificância,a aceitação dos recursos foi de 37%. Pedidos de revisão do início do regime para condenados por tráficos de drogas foram aceitos em 36% dos casos.
Isso acontece porque diversas decisões do STJ e do STF dizem que a pena inicial para crimes de roubo pode ser cumprida em regime semiaberto, embora a maior parte dos juízes continue mandando os assaltantes para o regime fechado.
São Paulo é o estado que tem mais pedidos de habeas corpus aceitos, segundo o estudo da FGV. Enquanto o estado tem 22% da população e cerca de 34% dos presos de todo o país, é responsável por quase 44% de todos os pedidos de habeas corpus nas Cortes superiores. De acordo com o professor Bottino, isso mostra que os tribunais paulistas têm uma postura mais conservadora do que aquela mostrada pelos juízes de instâncias superiores.
O excesso de habeas corpus aguardando julgamento gera dois grandes problemas. O primeiro é que as Cortes superiores gastam tempo e dinheiro avaliando casos em que já houve uma decisão definitiva, o que gera impacto no tempo de julgamento de todas as ações que correm no STJ e no STF. O segundo ponto é que o réu pode ser prejudicado, sendo condenado a penas mais severas do que prevê a jurisprudência — o que, por sua vez, leva mais gente para o sistema penitenciário.
— Claro que o juiz tem que ser independente e aplicar as penas e outras medidas que julgar mais adequadas. Mas, em casos em que já há decisões pacificadas e jurisprudência, ele não pode fechar os olhos para isso, seja para garantir a segurança jurídica, seja para manter o bom funcionamento da estrutura administrativa do Judiciário — afirma o coordenador da pesquisa da FGV.
Segundo Bottino, a pesquisa identificou que réus mais pobres, que não têm como pagar advogados, acabam sendo condenados a penas mais rigorosas, pois não conseguem recorrer ao STJ. A situação ficou evidente a partir da explosão de recursos em 2008 após a instalação da Defensoria Pública em São Paulo, destinada a fornecer atendimento jurídico para quem não tem condições de pagar.
Fonte: O Globo