* João Batista Damasceno
A história do Brasil é uma história com violência, a começar pelo genocídio dos povos originários. Mas, nos últimos 50 anos, o que tivemos foi o paulatino emprego das forças do Estado contra a sociedade e a militarização da segurança pública.
Na Baixada Fluminense, depois do golpe empresarial-militar de 1964, o padrão da violência pré-64 não mais subsistiu. A luta pelo poder político, a eliminação dos adversários e a admoestação de grupos sociais foram militarizadas. A princípio comandada pelo capitão José Ribamar Zamith, da 1ª Companhia de Polícia do Exército, a ela se agregaram as polícias, para a repressão e extermínio, e grupos privados para a defesa de seus interesses.
O golpe empresarial-militar de 1964 mudou a tipologia da violência. Em 1968 policiais do 6º Batalhão de Infantaria da Polícia Militar mataram com rajadas de metralhadora, diante da população, o bandido Roncador, mesmo após haver jogado fora sua arma e saído do bueiro onde se encontrava com as mãos na cabeça.
O general Amaury Kruel, instituidor do Serviço de Diligências Reservadas, é tido como o criador do Esquadrão da Morte, do qual resultou a diminuição de roubos e aumento de mortos. Mas o Esquadrão da Morte passou a ser noticiado com entusiasmo na mídia depois de matar em 1964 o bandido Cara de Cavalo, responsabilizado indevidamente pela morte do detetive Milton Le Cocq.
Em 1968 policiais do Estado da Guanabara, fugindo da atuação do então secretário de Segurança, general Luiz França de Oliveira, na repressão aos bicheiros ligados à velha ordem política, foram atuar na Baixada Fluminense.
Em 1969 o delegado de Belford Roxo, Lisis Nogueira, atribuiu 120 homicídios ao Esquadrão da Morte. Em abril de 1970 foi criada a Comissão Especial de Investigação, que foi extinta no mesmo ano com a recomendação de apuração de apenas um dentre os 300 crimes atribuídos ao esquadrão.
Nos anos 70 foi promotor na Comarca de Nova Iguaçu José Pires Rodrigues, e delegado da 3ª Região Policial, Baixada Fluminense, Péricles Gonçalves. Péricles afirmava que na sua região “polícia não precisava se esconder no anonimato para matar os inimigos da lei” e se policial matasse bandido seria obrigado a instaurar inquérito, mas daria medalha ao autor da façanha, por ter agido em legítima defesa. Esta é a origem dos autos de resistência.
Com o regime empresarial-militar, um novo padrão de eliminação de pessoas consideradas inimigas da lei e do regime se espalhou pelo país. Este padrão não foi substituído por padrão democrático com a abertura política nem por submissão do Estado de Direito com a Constituição de 1988.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito
Fonte: O Dia