* João Batista Damasceno
A participação dos EUA no golpe empresarial-militar de 1964 começou muito antes daquele 1º de abril, conforme comprova a abertura dos arquivos daquele país. O que estava em jogo era o poder de influência dos EUA sobre o Brasil e demais países do continente. No século 19 os EUA se lançaram na política externa e se reservaram, como área de influência, a América Central e do Sul.
Dos 50 estados que compõem os EUA, 29 foram incorporados à União no século 19. Até então eram apenas 16; os cinco restantes foram incorporados no século 20. A marcha para o Oeste no século 19 significou a incorporação de parte do território mexicano, terra do petróleo. O Alasca e o Havaí foram incorporados como estados à União em 1959. Porto Rico está no limbo. Nem é país soberano, nem integra os EUA como estado.
A atual situação da Crimeia, na Ucrânia, dá dimensão da repartição do mundo no século 19 entre as potências. Em 1853 a Rússia promovera a ‘Guerra da Crimeia’, reduzindo a influência ocidental na região. Ao mesmo tempo a França criou o conceito de “América Latina”, pretendendo, em razão da origem comum da língua, estabelecer influência. Mas o presidente estadunidense James Monroe decretara: “América para os americanos”. Desconsiderando que todos vivemos na América e que México e Canadá estão na América do Norte, consideram-se americanos e norte-americanos os estadunidenses.
Os EUA poderiam ter anexado a América Central e parte da do Sul no século 19, como fez no México. Mas isto traria inconvenientes e optou por se reservar o direito de dirigir suas opções políticas e econômicas. A Revolução de 30, sob o comando de Getúlio Vargas, produziu um novo Brasil e possibilidades de independência. No governo João Goulart havia um projeto nacionalista para o Brasil, que poderia propiciar sua efetiva independência e ampliação das relações externas.
Amparado na miopia de nossa classe política, no arcaísmo do empresariado, nos interesses dos senhores de terras e em empresas de comunicação associadas ao capital internacional, o golpe militar-empresarial de 1964 foi um golpe na independência nacional, na cidadania e no projeto educacional de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.
Não foi um golpe contra comunistas, grevistas e subversivos, como tentou fazer crer a propaganda oficial. Foi um golpe para nos mantermos submetidos a um modelo político de dependência ao capital internacional, representando pelos EUA. Os interesses que promoveram o Golpe de 1964 foram aqueles denunciados na carta-testamento de Getúlio Vargas, que Brizola, melhor que ninguém, soube interpretar.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito
Fonte: O Dia