*Luiz Fernando de Carvalho
Há momentos em que calar é mentir, afirmou Miguel de Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca, resistindo à invasão do campus pelas tropas falangistas, sob o comando do general Milan Astray.
Duas instituições viscerais da democracia — Judiciário e imprensa — vêm sendo alvo de tentativas de intimidação, quando não de agressões diretas, sempre para evitar que o exercício de suas funções crie limitações ao poder imperial do Executivo. Este, quanto ao Judiciário, aposta suas fichas na pressão contra o controle de constitucionalidade das leis e também contra a limitação dos atos de poder e das políticas públicas. Sobre a mídia, paira uma névoa a respeito do conteúdo do apregoado controle social.
Os mensaleiros e seus companheiros persistem em ofensiva contra o Judiciário e a imprensa, que apontam como participantes de uma conspiração para enfraquecer o partido do governo e seus correligionários, muitas vezes fazendo a crítica desbordar para a galhofa.
O deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), em manobra sem um mínimo de pudor, apresentou emenda constitucional para revisão de decisões do STF pelo Congresso Nacional, violentando a separação de poderes. A aventura golpista até agora não prosperou, mas permanece em chocadeira como um ovo de serpente.
Nas veias abertas da nossa América Latina, não é diferente o panorama. Argentina, Venezuela, Equador, Cuba e Bolívia, entre outros, mantêm o Poder Judiciário, inclusive suas cortes supremas, sob acentuado controle, dando-lhes, invariavelmente, um tratamento de apêndices do Poder Executivo. Quanto à imprensa, não menos ostensivas as agressões, que vão desde o empastelamento do “El Universo” no Equador, passando pelo bloqueio econômico ao grupo Clarín, na Argentina, para, no patamar mais feroz, acumular recordes de assassinatos de jornalistas.
Outros exemplos de insólito caráter autoritário são lembrados. As ditaduras de todos os matizes se comprazem na busca de domesticação do Judiciário — não podem conviver com o império da constituição e das leis — e de censura contra a imprensa livre.
Os que utilizaram as manifestações de junho último como biombo para a violência contra pessoas e o patrimônio público e privado se mostram hostis ao trabalho da imprensa, que deve ser garantido pelo poder público. Cabe ao Judiciário, com a necessária isenção, garantir as liberdades públicas e examinar as violações aos direitos constitucionais e legais, aí avultando os de integridade física, de expressão e de ir e vir. O caso Santiago Andrade, página trágica de horror anunciado, pode, por irresponsabilidade de arrivistas da inconsequência ou omissão do poder público, se repetir pela criminosa conduta de seus levianos artífices.
A conclusão que se extrai é que, mesmo com suas reconhecidas imperfeições, o Judiciário e a imprensa, pilares do estado democrático de direito, devem resistir às tentativas de emasculação, pugnando na trincheira por uma vida em ambiente de liberdades públicas.
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Fonte: O Globo