Notícias | 17 de dezembro de 2013 12:56

Assim caminha o Judiciário

* LUIS FELIPE SALOMÃO

Recebi com grande satisfação a notícia da escolha do juiz gaúcho João Ricardo dos Santos para a presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros, em votação direta de quase 10 mil juízes associados, encabeçando a chapa da oposição ao lado de valorosos magistrados da nova geração.

Além da grande festa democrática, sua eleição me fez recobrar a fé na força do movimento associativo, afastando de vez a névoa do imobilismo e corporativismo que rondavam a magistratura.

De fato, porque é vedado aos juízes a criação de sindicatos, as associações de magistrados têm papel relevante. Preocupam-se com o funcionamento do Poder Judiciário e a democratização do acesso à Justiça, lutam contra a desigualdade social, na exata medida em que o processo judicial pode ser utilizado como instrumento para minimizá-la.

Ao buscarem melhores condições de trabalho para os juízes, as associações reforçam a possibilidade de prestar jurisdição com eficiência. Postulando um Judiciário independente, permitem maior efetividade aos direitos e garantias constitucionais dos cidadãos.

A independência dos juízes é vital para a sociedade brasileira moderna, que reinicia a caminhada democrática, reconstruindo suas instituições dilaceradas pelo arbítrio. A população deve contar com magistrados independentes, para arrostar a eventual pressão da máquina estatal ou o poderio dos grupos econômicos.

No Brasil, desde a primeira Constituição republicana de 1891, os juízes gozam das principais garantias, como a vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos, o que coloca o Poder Judiciário brasileiro em num estágio avançado em relação aos vizinhos latino-americanos. Além, evidentemente, de o recrutamento para a carreira ocorrer, em regra, pelo concurso público, e o nosso modelo de corte suprema ser baseado no norte-americano.

Contudo, temos muito ainda a caminhar. Uma das questões atuais mais relevantes é que os juízes de primeiro grau, ao lado de outros atores, querem participar da elaboração da proposta orçamentária do Poder Judiciário.

Vale lembrar a sempre atual advertência de Calamandrei: “Não é honesto refugiar-se atrás da cômoda frase feita de quem diz que a magistratura é superior a toda crítica e a toda suspeita: como se os magistrados fossem criaturas sobre-humanas, não tocados pela miséria dessa terra, e por isso intangíveis. Quem se satisfaz com estas vãs adulações ofende a seriedade da magistratura: a qual não se honra adulando-a, mas ajudando-a, sinceramente, a estar à altura de sua missão”.

Um dos pontos centrais para melhorar o funcionamento da máquina relacionada ao Poder Judiciário é resgatar a estrutura adequada na primeira instância. É a porta de entrada das mais de 28 milhões de novas ações anuais que entopem a máquina, tomando como base o número de 2012, e justamente são essas as unidades que menos recursos financeiros recebem.

A participação ordenada, transparente e qualificada de todos os magistrados na elaboração da proposta orçamentária por certo lhe conferirá maior teor de aptidão para responder aos reptos do novo século, em matéria de eficiência no desempenho da jurisdição, afastando a concentração de poderes e superando a compartimentação que caracterizam a cultura administrativa da elaboração orçamentária.

Uma vez implantada essa medida salutar –o que poderá ocorrer pela via do Conselho Nacional de Justiça–, será mais um encargo, entre tantos outros que integram o cotidiano do juiz. Afinal, essa é a responsabilidade do Poder Judiciário, a que decerto corresponderão a vocação e o compromisso a que a toga conclama.

LUIS FELIPE SALOMÃO, 50, é ministro do Superior Tribunal de Justiça

Fonte: Folha de S. Paulo