A consolidação das prerrogativas dos juízes, com a estabilidade da remuneração dos magistrados, é a prioridade de João Ricardo Costa, candidato da oposição à presidência da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que realizará eleições em novembro. Ele lidera a chapa “Unidade e Valorização”.
“Nós temos consciência de que os serviços que prestamos ainda não são bons. Estamos querendo melhorar, e temos capacidade para resolver a morosidade na prestação jurisdicional. Para fazer isso, o juiz tem que ter suas prerrogativas preservadas”, afirma João Ricardo Costa.
O magistrado é titular do 1º Juizado da 16ª Vara Cível de Porto Alegre. É ex-presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris).
Em entrevista ao Blog, ele diz que o grupo de oposição conta com o apoio de 26 associações das 35 filiadas à AMB. “Os presidentes dessas associações não se sentem mais representados pela AMB”, afirma.
Segundo João Ricardo Costa, a magistratura não está sendo respeitada, e a AMB não tem sido capaz de defender os juízes. “A AMB não está conseguindo transmitir para a sociedade o valor da magistratura brasileira. Não consegue mostrar as iniciativas, as propostas de gestão, a carga de trabalho dos juízes”.
Na ocasião, o candidato da situação definiu como sua prioridade “as garantias de independência para que todos os magistrados (estaduais, federais, militares e do trabalho) possam decidir de forma a atender os interesses da cidadania”.
A seguir, a íntegra da entrevista com o candidato da oposição:
Blog – Qual será sua prioridade à frente da AMB?
João Ricardo Costa – Será a luta pela estabilidade da remuneração dos magistrados. É fundamental para consolidação das prerrogativas do juiz. A sociedade tem o direito de ter uma magistratura autônoma, independente, isenta. Nós vivemos hoje uma situação bastante precária em relação aos subsídios. Vamos priorizar isso.
Blog – A atual gestão conseguiu sensibilizar a sociedade para a importância dessa questão?
João Ricardo Costa – A atual gestão rompeu as pontes de diálogo que nós tínhamos com a sociedade. Afinal de contas, é para a sociedade que nós trabalhamos e prestamos jurisdição. No momento em que rompemos com esses canais de comunicação, vamos ter muita dificuldade para que a sociedade compreenda as nossas bandeiras.
Blog – Qual é a principal crítica à gestão do desembargador Nelson Calandra na AMB?
João Ricardo Costa – É a forma, o conceito de atuação política da associação. Ela não consegue transmitir para a sociedade a importância de suas bandeiras. Ao fazer isso, também gera uma crise de representação interna. Os magistrados, assim como as ruas, não se sentem representados pela associação.
Blog – Em que medida a sua candidatura representa o retorno do grupo de magistrados que foi derrotado na eleição de Calandra?
João Ricardo Costa – Ela não tem esse sentido. Minha candidatura representa um grupo de juízes que têm uma biografia dentro da magistratura e que também contempla vários ex-presidentes –como Cláudio Baldino Maciel, Rodrigo Colaço, Mozart Valadares– e vários presidentes e ex-presidentes de associações regionais. Eles têm uma história de luta associativa. Conhecem o Poder Judiciário por dentro e por fora e contribuíram muito para que esse Poder se transformasse.
Blog – Calandra foi eleito com o discurso de que a AMB atuava como uma ONG, por exemplo, contra a corrupção, na defesa da ficha limpa. Alegava-se que a entidade deveria cuidar prioritariamente dos interesses da magistratura. Como o Sr. avalia essa crítica?
João Ricardo Costa – O discurso funcionou. Só que, na realidade, ele é completamente inoperante. É o discurso corporativo, reducionista, uma entidade voltada para dentro, sem diálogo com a sociedade. Ele também prometeu valorizar a magistratura, e aconteceu o contrário.
Blog – O Sr. disse que a magistratura não tem sido respeitada.
João Ricardo Costa – Nós estamos sendo alvo e foco de uma série de críticas da sociedade. A AMB não está conseguindo transmitir para a sociedade o valor da magistratura brasileira. Não consegue mostrar as iniciativas, propostas de gestão, carga de trabalho dos juízes. E a sociedade faz seu juízo exatamente diante dos problemas que acontecem com a morosidade judicial, a generalização de denúncias. A AMB não tem tido a capacidade de fazer a defesa da magistratura.
Blog – A sensação é que o problema básico é a impunidade. Até onde vai o papel do juiz?
João Ricardo Costa – Nós, juízes, temos uma preocupação muito grande com a questão da impunidade. Nós temos um diagnóstico sobre isso, no que afeta o nosso papel no combate da corrupção, da impunidade. O sistema processual brasileiro é um fator fundamental. Nós temos um sistema extremamente burocrático, que possibilita uma série não razoável de recursos. Nós temos quatro graus de jurisdição, isso foge de qualquer padrão internacional. Podemos muito bem reduzir pela metade essa quantidade de recursos, sem afetar em nenhum momento os princípios constitucionais de ampla defesa e duplo grau de jurisdição. Estamos lutando no Congresso Nacional pela PEC Peluso, que reduz a quantidade de recursos. Um instrumento importante para levar um processo de corrupção até o final. Os processos de grande repercussão, de grande interesse econômico, as ações civis públicas, não terminam nunca, exatamente pela quantidade de recursos, que, bem manejados por bons advogados, levam à eternidade, sem que o juiz tenha qualquer ingerência sobre o trâmite processual. A velocidade do processo tem que depender do juiz, e não da burocracia. É um trabalho que a AMB tem que fazer.
Blog – Essa questão sensibiliza mais o juiz de primeiro grau?
João Ricardo Costa – O juiz de primeiro grau está com problema muito sério de autoestima. Tem a sensação de inutilidade. Os juízos de primeiro grau e de segundo grau acabam se transformando em ritos de passagem. Hoje, o processo vai ser decidido no tribunal superior ou nunca vai ser decidido, em função da quantidade de recursos. Essa sensação, de não ver acontecer a sua sentença, o seu trabalho, a sua intervenção no litígio, ela é grave para a autoestima da classe. Temos que trabalhar para dar mais poder ao primeiro e ao segundo grau na solução dos conflitos. Isso melhora a prestação jurisdicional, levanta a autoestima do juiz, principalmente o juiz de primeiro grau que está “olho no olho” com a parte, que sente o drama, que percebe o problema desde o seu início.
Blog – Qual é a sua avaliação do Conselho Nacional de Justiça?
João Ricardo Costa – O CNJ é um órgão importantíssimo para o Judiciário nacional. Ele tem a atribuição de criar políticas extremamente relevantes para melhorar a prestação jurisdicional. Ao mesmo tempo, também pode contribuir para uma grande bandeira nossa que é a democratização dos tribunais. Criar mecanismos que possibilitem uma participação maior e universal da magistratura na gestão dos tribunais.
Blog – O CNJ está fazendo isso?
João Ricardo Costa – Não está. Está deixando a desejar. Há algumas intervenções extremamente positivas e outras que atingem a autonomia dos tribunais e de seus juízes. O papel correicional é importante, desde que não anule o papel das corregedorias locais, que têm essa função. O pacto federativo privilegia a autonomia dos Estados, inclusive dos tribunais. Cada região brasileira tem uma peculiaridade. E o juiz administra a Justiça e sua jurisdição de acordo com essas peculiaridades. Nós temos as metas do CNJ, mas não há um retorno para a magistratura sobre a avaliação dessas metas. É feita uma análise, é lançado um diagnóstico? Não são revelados esses diagnósticos. Os relatórios e metas estão atingindo a autonomia do juiz. O juiz tem autonomia para julgar e para administrar sua jurisdição. A quantidade de relatórios que têm que ser preenchidos atrapalha a jurisdição. Os próprios projetos de conciliação acabam caindo em comarcas onde já existe projeto mais adequado à situação local. O CNJ tem a possibilidade de criar políticas nacionais que possam ajudar a melhorar a jurisdição, desde que não invada a área de autonomia do juiz e dos tribunais. Quando o CNJ interfere na autonomia do tribunal está ferindo a democracia, criando um modelo unitário, uma centralização completamente avessa ao princípio democrático. Queremos discutir isso com a sociedade.
Blog – Qual é a dimensão da corrupção no Judiciário?
João Ricardo Costa – O que preocupa é exatamente a dimensão que é dada pelos meios de comunicação. Há uma compreensão disso porque a corrupção vinculada à figura do juiz sempre é mais relevante, porque a sociedade visualiza o juiz como alguém imune a essas questões. O problema do Judiciário não é a corrupção. Falo como quem está há 23 anos no Judiciário, que conhece o Poder Judiciário. Nós temos 12 mil juízes no Brasil, os casos de corrupção são contados a dedo. O problema não é a corrupção, mas a morosidade processual. Vejo a questão da corrupção como algo que nós temos condições plenas de enfrentar. Não temos que nos preocupar com isso, porque é uma minoria, pequeníssima parte da magistratura. Não defendemos, não blindamos esse tipo de procedimento. Queremos que se apurem os fatos, dentro do devido processo legal. Nós temos a certeza de que a magistratura honra a toga, são juízes honestos, que precisam de uma voz na sociedade que faça a sua defesa, que mostre a sua cara, as suas qualidades.
Blog – O Sr. é favorável às férias de 60 dias?
João Ricardo Costa – Sim. Elas são perfeitamente justificáveis para os magistrados. Se olharmos os estatutos laborais que existem no Brasil e no mundo, se compararmos várias categorias profissionais, a maioria das profissões tem uma limitação na carga horária. Isso é uma proteção que os direitos fundamentais dão ao trabalhador para não haver exploração e que o trabalho não seja uma coisa insuportável. Não temos um modelo, um estatuto no Judiciário que limite nossa carga laboral. Se baterem à nossa casa às cinco da manhã com alguém que precisa ser internado com uma liminar, não podemos dizer: “Olha meu horário de trabalho encerrou”. O juiz da entrância inicial está de sobreaviso 24 horas. A forma de compensação, de descanso, justifica os dois meses de férias. Eu perguntaria aos que criticam esse modelo qual é a alternativa aos dois meses de férias para dar a compensação de descanso?
Blog – Como o Sr. avalia os desentendimentos entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, no STF?
João Ricardo Costa – Estamos assistindo com bastante perplexidade e apreensão essas crises institucionais provocadas pelas relações do presidente com outras instituições. Pretendemos ter uma relação muito respeitosa e institucional com o STF. Temos que transmitir credibilidade. Isso é muito importante para a democracia. Nós, que lideramos e que presidimos entidades e instituições, temos que cuidar das nossas instituições para que transmitam credibilidade. A relação com o ministro Joaquim Barbosa vai se pautar por esse cuidado. Assim como com qualquer agente público que não tiver esse cuidado, nós vamos fazer a crítica como tem que ser feita no âmbito republicano e democrático.
Blog – O Sr. é favorável à criação de novos Tribunais Regionais Federais?
João Ricardo Costa – Nós temos um déficit na prestação jurisdicional por falta de estrutura do Poder Judiciário. A criação desses tribunais atende a um critério técnico que foi estabelecido pelo próprio CNJ. A Justiça Estadual está muito aquém. O CNJ estabeleceu que a cada dois mil processos justifica-se a criação de uma unidade judicial. A criação dos novos tribunais vem em resposta a esse critério. Já entra com uma defasagem, pelo que consta. Não temos, na maioria dos Estados, condições orçamentárias de criar uma vaga para juiz.
Blog – A magistratura está participando do processo de revisão da Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional)?
João Ricardo Costa – A maioria das associações está contribuindo. O que não sabemos é se está tendo eco dentro do STF. O Supremo, como todos sabem, tem a atribuição de apresentar o anteprojeto no Congresso Nacional, mas nós entendemos que esse projeto é da magistratura. No que o Congresso decidir entra a vontade popular. Mas o que sai do Supremo tem que ser a proposta da magistratura, e não daquele grupo do STF. Nós entendemos que não basta ouvir a magistratura. Tem que haver um consenso. Isso seria verdadeiramente republicano e democrático.
Blog – O Sr. acha necessário limitar o patrocínio privado a eventos de magistrados? Tem havido abusos?
João Ricardo Costa – Temos que reconhecer que a ação do CNJ decorre de abusos. Os nossos congressos têm patrocínios, mas não se prestam a financiar estadia e passagens de magistrados. Presta-se para criar estrutura, viabilizar as palestras e possibilitar a realização dos eventos, pois não temos recursos para isso. E qual é a importância dos congressos? Discutir teses com os juízes de todo o Brasil. Muitas das propostas aprovadas nas teses dos congressos se transformam em políticas públicas nacionais. A participação dos juízes, por exemplo, nos orçamentos dos tribunais foi aprovada em teses. Muitas questões dos juizados especiais, dos juizados de pequenas causas cresceram dentro das teses do congresso da magistratura. Hoje é o setor da Justiça que tem mais credibilidade na sociedade. Esses congressos têm importância para o aprimoramento do Judiciário. E eles só são possíveis através do patrocínio. Acho que radicalizar em relação aos patrocínios é algo que vai prejudicar muito a construção de políticas no Judiciário. A não ser que o Estado financie esses encontros de trabalho, o que acontece em vários países.
Blog – Como o Sr. avalia a questão da criminalidade e da violência?
João Ricardo Costa – Podemos tratar com métodos alternativos de intervenção, como a justiça restaurativa, que é amplamente praticada em países como o Canadá, que restabelece o prejuízo dado à sociedade. A intervenção hoje não se presta a restaurar o dano social. O que acontece é que alguém vai cumprir uma pena na penitenciária. É a única resposta que estamos dando. Não ressocializa e não restabelece o dano que aconteceu. Não entendemos o radicalismo no enfrentamento da criminalidade como uma solução. A magistratura não pode estar propondo medidas radicais, demonstrando desespero, como se tivesse desistido do processo civilizatório. Nós somos agentes do processo civilizatório.
Blog – Como o Sr. avalia a declaração do candidato da situação, juiz Roberto Bacellar, de que deveria haver pena de morte para juízes e policiais corruptos?
João Ricardo Costa – Com bastante perplexidade. Nós temos alternativas. Não estamos rendidos, a magistratura não está submetida ao desespero. A sociedade tem os seus anseios, os seus ímpetos. Ela reage de forma bastante forte em relação às injustiças. Somos membros de um Poder. Temos que ter o preparo e a capacidade e a estabilidade de apresentar soluções civilizatórias, e não medievais. Lamentamos, embora [tenha havido] desmentido depois. Temos que ter muito cuidado com as nossas declarações. Estamos em campanha para uma entidade nacional. Tudo o que nós dissermos é uma previsão do que vamos fazer na entidade nacional. Isso, dependendo da nossa postura, assusta ou dá esperança, tanto para a sociedade como para a magistratura.
Blog – Gostaria de enfatizar alguma outra questão?
João Ricardo Costa – Acho que é importante enfatizar a questão da democratização dos tribunais. Nós estamos numa caminhada pela eleição direta. Há uma ilha de resquício da ditadura brasileira. Os juízes não votam nos seus dirigentes. Temos problemas sérios de distribuição de recursos orçamentários dentro dos Estados em face exatamente desse modelo de escolha, limitado aos membros do tribunal. As reivindicações da magistratura de base nunca são atendidas. É exatamente aquele setor por onde entra toda a demanda da Justiça. O juiz, que se relaciona como jurisdicionado, não tem a estrutura prioritária que deveria ter. A democratização através da eleição direta é fundamental para aprimorarmos o Judiciário. Veja como o Ministério Público melhorou em 1988, depois que foi democratizado. Essa é uma bandeira da sociedade, não é da magistratura. Nós temos alternativas. Temos plena consciência da necessidade de mudar o tipo de intervenção do Poder Judiciário. Ainda estamos tratando o litígio de forma atomizada, através de tratamento individual. Hoje uma empresa telefônica viola o direito de oito milhões de pessoas. Os 10% que buscam a Justiça já são o suficiente para entupir o Judiciário de processos. E o litígio fica lá fora, pressionando a sociedade. Se tivéssemos mecanismos de, num processo só, resolver um único litígio, até para os que não entraram em juízo, um processo com custo mínimo… O problema do financiamento da Justiça não é só dinheiro. É o modo como ela opera. Quanto sai um processo? Cada Estado tem um valor. Imagine milhões de processos com custo altíssimo, trabalhando com carga pesada quando poderíamos resolver com uma ação coletiva.