Todos os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo vão poder se candidatar aos cargos de direção nas próximas eleições, marcadas para dezembro deste ano. Na sessão desta quarta-feira (7/8), Por 22 votos a 3, o Órgão Especial do TJ afastou a regra de que apenas os desembargadores mais antigos são elegíveis para a presidência, vice-presidência e para a Corregedoria-Geral de Justiça. A nova regra também se aplicará aos desembargadores oriundos do quinto constitucional. O responsável por elaborar a minuta da resolução que definirá as normas será o desembargador Luiz Ganzerla.
Os membros do Órgão Especial, colegiado de cúpula que representa o pleno do tribunal, entenderam que a regra da antiguidade, descrita no artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman, a Lei Complementar 35/1979) não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Isso porque a Constituição dá aos tribunais do país autonomia administrativa para se organizar da maneira que acharem melhor. Para o TJ, isso significa liberar a candidatura a todos os que desejarem presidir a corte.
A discussão foi bastante acirrada e marcada por muitos debates complementares. A proposta original era que a candidatura fosse aberta apenas aos desembargadores com dez anos de experiência na magistratura e cinco anos de tribunal. No caso dos oriundos do quinto constitucional, seriam exigidos apenas os cinco anos de tribunal.
O desembargador Guerrieri Rezende, um dos prováveis candidatos à presidência nas eleições deste ano, contestou a ideia de que as mudanças se apliquem já nas eleições deste ano. Afirmou que o artigo 16 da Constituição Federal estabelece que mudanças no processo eleitoral só valem depois de um ano da publicação da regra. Para Rezende, o artigo constitucional descreve um princípio, e não uma regra eleitoral. E como princípio, deveria ser aplicado no âmbito administrativo do TJ de São Paulo. Citou diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal na argumentação.
Ficou vencido. O desembargador Paulo Dimas Mascaretti foi quem puxou o entendimento de que os princípios eleitorais se aplicam às eleições para cargos públicos e não para o âmbito do Judiciário. Lembrou que, quando o Supremo se pronunciou sobre o assunto, não mencionou o caso dos tribunais e quando tratou de eleições nos tribunais, também não falou no artigo 16 da Constituição. O entendimento de Paulo Dimas foi acompanhado por 19 desembargadores.
O artigo 102
O grande ponto de discussão desta quarta pelo Órgão Especial foi se o artigo 102 da Loman foi recepcionado ou não pela Constituição Federal. Os desembargadores se basearam em fala do ministro Marco Aurélio, do STF, em Agravo Regimental em Mandado de Segurança julgado em dezembro de 2012.
Naquela ocasião, o ministro afirmou que o artigo 102 não foi enquadrado pelo princípio constitucional da autonomia administrativa, de modo que cada tribunal é que deveria decidir a respeito da própria direção. O artigo 102 da Loman diz que “os tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição”
O vice-presidente do TJ-SP, desembargador Gonzaga Franceschini, concordou com Marco Aurélio. Afirmou que a regra da antiguidade tem resultado em situações atípicas, como a eleição do desembargador Valim Bellochi para presidente do tribunal, em dezembro de 2007. Na falta de candidatos, a presidência “caiu no colo do mais antigo, o Bellochi”, como lembrou o desembargador Luiz Ganzerla.
Houve divergência. O desembargador Itamar Gaino afirmou que a fala do ministro Marco Aurélio consta da ementa do julgamento, mas não do acórdão, e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal “é pacífica ao entender que o artigo 102 foi recepcionado”. No entanto, lembrou que a regra atual do TJ viola o que diz o artigo. O próprio presidente atual do TJ, desembargador Ivan Sartori, era o 137º da lista de antiguidade quando foi eleito. A maioria dos desembargadores concordou com entendimento do ministro Marco Aurélio.
Confiança na escolha
A proposta inicial, que exigia cinco anos de tribunal para que o desembargador se candidatasse, foi rejeitada pelo Órgão Especial. O responsável foi o desembargador Walter de Almeida Guilherme, também um dos prováveis candidatos à presidência. Ele rechaçou a condição de exigir experiência dos candidatos. “É preciso crer em nós mesmos, que somos os eleitores. Será que votaríamos em alguém que não tem experiência? Será que precisamos tutelar a nossa vontade? Precisamos nos proteger de nós mesmos?”
O presidente Ivan Sartori subscreveu a fala de Walter Guilherme e até criticou a proposta de exigir experiência. “Não podemos criar categorias de desembargador, não podemos criar essa diferenciação, inclusive, em relação aos oriundos do quinto constitucional”, declarou.
Contexto eleitoral
A decisão deve mudar completamente o panorama das eleições no TJ. Se a discussão girava em torno da possibilidade de Ivan Sartori se candidatar à reeleição, o debate agora é sobre quem vai se candidatar.
Os pré-candidatos, segundo os próprios desembargadores, já se lançaram. Há um de cada seção: o desembargador Walter de Almeida Guilherme, da Seção Criminal, o desembargador Eliott Akel, da Seção de Direito Privado e o desembargador Sérgio Guerrieri Rezende, da Seção de Direito Público. O corregedor-geral de Justiça, o desembargador José Renato Nalini, também é listado entre os prováveis candidatos.
A possibilidade de reeleição não foi posta em pauta na sessão desta quarta. A cinco meses para o fim de sua gestão, o desembargador Ivan Sartori preferiu não discutir a questão agora e reclamou da insistência no tema pelos colegas de Órgão Especial: “Ninguém está falando em reeleição. Tirei o assunto da pauta. Isso cabe a nós [ocupantes de cargo de direção]. Se eu decidir me candidatar é que poderemos discutir a reeleição, mas ainda não me decidi”.
O receio agora é que Sartori não tenha mais apoio à reeleição. Os desembargadores que prometiam apoio à causa da reeleição agora podem se candidatar, e quem acompanha a vida política do TJ aposta que muitos de fato vão. Mas o que é certo é que a decisão desta quarta do Órgão Especial é uma demanda antiga dos juízes de São Paulo e um grande avanço para o tribunal.
Questão de maturidade
Sartori também criticou o clima de insegurança que pairou no Órgão Especial quando foi debatido o entendimento do ministro Marco Aurélio a respeito da Loman. Os desembargadores pareceram receosos de que, depois de aprovada a resolução, ela fosse cassada pelo Conselho Nacional de Justiça ou pelo Supremo.
O presidente do TJ-SP reclamou do tom da discussão. Lembrou da época de sua eleição, quando o desembargador Corrêa Vianna foi ao CNJ reclamar que Sartori era o 137º da lista de antiguidades e, por isso, não poderia assumir o cargo. Venceu e o tribunal levou o caso ao Supremo, que deu o aval para que Sartori se mantivesse no cargo, já que os mais antigos desistiram de se candidatar.
Também houve, na sessão, questões relacionadas ao horário de atendimento ao público nos fóruns paulistas, levadas ao CNJ pela seccional paulista da OAB. Há ainda o caso, pendente de julgamento, das salas ocupadas pelo Ministério Público nos prédios forenses de São Paulo. O episódio opôs TJ e Procuradoria-Geral de Justiça e agora está parado no CNJ.
“O tribunal precisa ter maturidade para assumir responsabilidade pelas próprias escolhas e não esperar definição do Supremo e do CNJ. Quem sabe do tribunal somos nós, os desembargadores”, disse o presidente. “Não podemos invocar entendimentos do Supremo, porque a jurisprudência nesse sentido tem sido flutuante. Toda vez que o caso vai ao STF ou ao CNJ, dá problema.”
Fonte: ConJur