O juiz Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo, titular do 4º Registro de Títulos e Documentos na cidade do Rio de Janeiro, presidente do Instituto dos Registradores de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas do Estado do Rio de Janeiro (IRTDPJRJ) e diretor da Associação dos Notários e Registradores do Rio de Janeiro (Anoreg/RJ), redigiu um artigo com o título “Verdade, Coisa Julgada e Paternidade”, publicado com exclusividade no site da Amaerj.
Verdade, Coisa Julgada e Paternidade
A Quarta Turma do STJ, em voto recente da ministra Isabel Gallotti, admitiu renovar-se a ação de investigação de paternidade se o pedido anterior, à míngua de prova técnica, não excluiu o vínculo genético.
No caso, a renovação do pedido foi feita por mulher nascida em 1939, alegando o direito personalíssimo de investigar sua origem biológica, forte no exame de DNA, absolutamente confiável como técnica médica-científica.
Inicialmente, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) extinguiu o processo à vista da coisa julgada material. Daí o Recurso Especial ao STJ, pondo em destaque a orientação da Corte que valoriza o reconhecimento da filiação como direito personalíssimo incurso no princípio da dignidade humana. Sob tal razão, era curial relativizar os efeitos da coisa julgada material nas ações terminadas por falta ou insuficiência de provas.
A decisão abre precedente sobre a jurisprudência da Segunda Seção, atenta aos dogmas da coisa julgada e da segurança jurídica, nas hipóteses de improcedência fundada em prova técnica disponível na época do julgamento. Isto significa inadmitir a propositura de nova ação investigativa com base no advento de método científico capaz de identificar o parentesco sanguíneo. Mas não era essa a realidade do caso repetido. Como enfatizou a ministra Gallotti, o primeiro pedido não cuidou de prova médico-pericial, toda a instrução restrita a testemunhas e à conduta da mãe da filha sem pai.
Cumpre aplaudir o julgado. O direito à identidade genética assenta nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável, expressos na norma do artigo 226, § 7º, da Constituição, competindo ao Estado propiciar os meios adequados à sua concretização. O interesse geral manda acompanhar o conhecimento científico, em busca da verdade real, que é o objetivo de qualquer processo. Saber quem é pai ou mãe é primeiro um fato biológico, revelado, hoje, pelo exame de DNA, que permite resolver, com elevado grau de certeza, os laços naturais de filiação.
Impossível ceder ao formalismo da coisa julgada material para sonegar a paternidade da pessoa que deseja fazer prova genética sob fórmula científica. Confronta-o não apenas a nova ética da paternidade responsável, como, nomeadamente, o princípio da dignidade humana, que serve de fundamento normativo para os direitos fundamentais.
No plano jurídico, o valor intrínseco da pessoa humana, em respeito à sua dignidade, atua na origem do direito de ter pai e mãe, um nome, uma família. Não só: a dignidade humana como valor comunitário traduz um padrão de viver no grupamento social, acorde aos ideais civilizatórios, o que impõe a responsabilidade do suposto pai de submeter-se ao exame laboratorial, diretamente ou por seus sucessores.
Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo*
Titular do 4º Ofício de Registro de Títulos e Documentos na cidade do Rio de Janeiro – Foi Juiz de Direito do TJRJ – Professor de Direito Civil
Fonte: Assessoria de Imprensa da Amaerj