Um esquema de controle e desvio de parte de munições do 7º BPM (São Gonçalo) estava nas mãos de integrantes do grupo acusado do assassinato da juíza Patrícia Acioli, em 2011. Em gravações telefônicas obtidas com exclusividade pelo DIA, o cabo Carlos Adílio Maciel Santos revela como deveria ser feita a reposição fraudulenta das balas em ações suspeitas de serem clandestinas. “Agora, os tiros que a gente tá (sic) dando, a gente tá (sic) botando no lugar”, afirma um PM identificado apenas como Ribeiro a Adílio. Ele responde que usou o mesmo método em uma ocorrência no Morro da Coruja, em São Gonçalo, na interceptação autorizada pela Justiça.
Adílio é um dos 11 acusados de participação na execução da magistrada com 21 tiros. Ele e o cabo Sérgio Costa Júnior — que confessou o crime e o primeiro a ser condenado a 21 anos de prisão pela morte da juíza — respondem ao processo pelo desvio das munições da unidade onde eram lotados, na Auditoria de Justiça Militar. A munição oficial do batalhão foi usada para matar Patrícia, atingida por 21 tiros, como revelou O DIA à época.
“Sem dúvida, eles usavam as balas da corporação para cometer crimes”, analisa o promotor do Ministério Público estadual Leandro Navega.
Terça-feira, os PMs Junior Cezar de Medeiros, Jefferson de Araújo Miranda e Jovanis Falcão Junior vão a júri popular, na 3ª Vara Criminal de Niterói, a partir das 8h, por envolvimento no assassinato de Patrícia. Outros sete réus, entres eles o coronel Claudio Luiz de Oliveira, então comandante do 7º BPM, e o tenente Daniel Benitez, presos em unidade federal, ainda não têm data para serem julgados.
Reposição fraudulenta
Na conversa entre Adílio e Ribeiro, eles deixam claro a preocupação com a reposição das munições do batalhão. A dupla cita ainda os nomes de Junior Cezar de Medeiros, Jefferson de Araújo Miranda e Jovanis Falcão Junior. Em um dos trechos, Adílio ressalta que Falcão é um dos responsáveis por dar mais tiros.
No processo sobre o desvio de munição da Auditoria da Justiça Miliar, há suspeita de que para camuflar o desvio das balas da unidade, os policiais informavam que tinham dado tiros em ocorrências nas ruas. Outra faceta do esquema, a reposição fraudulenta, fica clara quando Adílio reclama com Ribeiro que era preciso mais ‘hombridade’ para assumir que sumiu com a munição. “Eu dei o tiro, mas não tenho a munição, acabou. (…) Depois vai à forra”, fala Adílio na conversa com Ribeiro.
Munição era guardada em casa
Até em casa, os policiais do 7º BPM (São Gonçalo) guardavam os projéteis desviados da unidade. Um exemplo disso é o caso do PM Sérgio Costa Junior. Em ação na residência dele, agentes da Divisão de Homicídios (DH) encontraram munição do batalhão e ainda um cartucho de fabricação húngara.
Costa Junior foi o responsável ainda por fazer o levantamento do trajeto que Patrícia Acioli fazia do Fórum de São Gonçalo até onde morava, no bairro de Piratininga, em Niterói, local do crime. Um mês antes do assassinato, em 11 de julho de 2011, Costa Junior, Daniel Benitez, Jefferson Araújo e Handerson Lents se encontraram na Praça do Barreto, em Niterói. Dali, o grupo partiu no carro de Benitez, um Kia Cerato, para o condomínio onde Patrícia morava. A imagem do veículo foi captada por câmeras do circuito interno de TV.
No dia 11 de agosto, de 2011, data do assassinato, Patrícia começou a ser seguida por Benitez e Costa Junior em uma moto e por um Fiat Palio, dirigido por Jovanis Falcão. No meio do caminho, Jovanis decidiu ir para o batalhão de São Gonçalo, enquanto a magistrada foi seguida por Benitez e Costa Junior na moto. Na porta de casa, a magistrada, que estava em um Fiat Idea, foi cercada. Sozinha, ela foi atingida por 21 disparos.
Trecho da escuta
DESVIO DE MUNIÇÃO
PM Ribeiro: Pô, o Araújo falou o negócio de munição. Falaram que a gente está devendo munição.
PM Carlos Adílio: Pô, cara, vou passar um rádio até para o Falcão. Porque o Coutinho falou que, quando recebeu o serviço do Falcão, recebeu faltando.
PM Ribeiro: Essas munições de 40 estavam faltando há muito tempo. Não sei se alguém repôs. A gente não repôs.
PM Carlos Adílio: Avisamos a todo mundo. Tá (sic) faltando, acho que são seis munições de 40. Quem tem coloca. Dei tiro e não tenho para colocar, é só falar. As dez que estavam faltando foram na nossa ficha.
Projéteis da PM e Forças Armadas
Durante as investigações sobre a morte de Patrícia Acioli, policiais da Divisão de Homicídio encontraram 25 cápsulas de dois calibres: 40 e 45. No entanto, só os projéteis de calibre 40 são usados pela PM e dois eram do 7º BPM (São Gonçalo). Os de calibre 45 são exclusivos das Forças Armadas. Para conseguir redução de pena, Sérgio Costa Júnior aceitou colaborar com as investigações da Polícia Civil. Outro que também revelou fatos do crime foi Jefferson Araújo, porém, ele voltou atrás. Mas poderá se beneficiar com a delação premiada durante o julgamento da próxima terça-feira no 3º Tribunal do Júri de Niterói.
Telefonema para coronel no momento de uma execução
Vinte e nove de junho de 2011. Neste dia, o tenente Daniel Benitez fez 33 ligações para o então comandante do 7º BPM (São Gonçalo), Claudio Luiz Oliveira. Segundo o Ministério Público, até durante a execução do jovem Anderson Matheus, Benitez ligou para o coronel, às 22h56.
Matheus morreu em função de outro assassinato, o de Diego Beliene, dia 3 de junho de 2011. É que a mãe dele era a principal testemunha da morte de Beliene. Quando os policiais a procuraram, Matheus não quis revelar o paradeiro dela e acabou sendo executado. A juíza Patrícia Acioli também morreu porque decretou a prisão do grupo, acusado transformar assassinatos em autos de resistência — aqueles onde as vítimas resistem à prisão.
Um vídeo mostra o último grampo autorizado pela juíza no Batalhão Especial Prisional (BEP). Nas gravações, um homem fica sabendo da morte da magistrada 43 minutos após o crime. Ele telefona para a mulher e ao fundo é possível ouvir outros presos comemorando a morte de Acioli.
Fonte: O Dia