*O Globo
Quase dez meses depois dos temporais que provocaram 242 mortes em Petrópolis, na Região Serrana, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 2 bilhões do governo do Estado para a realização de obras de recuperação em áreas atingidas. Os recursos são oriundos da concessão da Cedae. A duas semanas do verão — quando as chuvas costumam ser mais fortes —, a cidade ainda tem 130 pontos afetados pelas tragédias de fevereiro e março que não receberam qualquer intervenção.
O mapeamento foi feito pelo Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio (DRM) em 26 localidades. A decisão alcança ainda a prefeitura, que deverá identificar e demolir imóveis condenados, além de providenciar a realocação das famílias desses locais.
Na lista de áreas à espera de obras está o Morro da Oficina, onde 54 casas foram destruídas e 93 pessoas morreram soterradas em 15 de fevereiro. Até hoje, nem os escombros foram retirados. Sueli Santos, que teve a casa atingida parcialmente, mora hoje em outro bairro, mas sempre volta ao local do deslizamento:
— Nós tivemos reuniões em que representantes do governo disseram que já teriam a verba para as obras, para as barragens, mas até agora a gente está na espera. Eu perdi muitos amigos, muita gente boa. Agora, vai chegando o fim do ano, e eu estou feliz por ter sobrevivido, mas não tem como celebrar nada.
Perto dali, a única obra é uma pequena contenção de encosta que está sendo feita pela prefeitura. Na Chácara Flora, onde também houve mortes, moradores temem as chuvas de verão. Sobrevivente da tragédia, Luis Alberto da Silva perdeu oito parentes. Hoje mora num quarto na associação de moradores. Ele planeja passar o Natal no terreno vazio onde ficava sua casa, para lembrar a família:
— Não tive para onde ir e também não queria ficar longe. Não temos prefeito, governo, nada aqui, só mesmo uns aos outros.
Os laudos técnicos do DRM serviram de base para 26 ações civis públicas em que a promotora Zilda Januzzi cobra a realização de obras para reduzir os riscos a milhares de famílias. O pedido foi acolhido pelo juiz da 4ª Vara Cível de Petrópolis, Jorge Luiz Martins Alves. Na sua decisão, o magistrado ressalta que a dignidade do ser humano deve ser uma prioridade para os gestores públicos, independentemente de predileções políticas.
A verba bloqueada está numa conta com saldo de R$ 4,3 bilhões, dinheiro da privatização da Cedae, segundo o Grupo de Apoio Técnico ao Ministério Público do Rio. De acordo com a decisão judicial, os recursos podem ser “utilizados em ações de resposta a situações de catástrofe, como a que ocorreu em Petrópolis”.
O juiz determinou que o secretário estadual de Fazenda, Leonardo Lobo Pires, seja o fiel depositário do montante. Em caso de descumprimento, será aplicada multa de R$ 100 mil. A sentença também estabelece prazo de 45 dias para que seja concluída o que chama de “fase preliminar” e de 300 dias para a efetiva execução dos serviços.
O juiz descreveu em sua decisão “o sereno, ponderado, sincero e doído ‘grito’ de socorro da moradora Cristiane Gross, emocionalmente dilacerada pela perda de nove parentes”. Segundo ele, a manifestação dela numa audiência em outubro foi comovente, mas em nenhum momento a mulher foi apelativa ou pediu qualquer benefício. “Eu não culpo ninguém.
Ontem, eu voltei lá, oito meses depois, e não foi feito, doutor juiz, nada”, disse a moradora da região do Morro da Oficina. “Se o senhor chegar lá hoje, se o senhor quiser um dia ir lá, está do jeito que aconteceu no dia 15 de fevereiro. Aí eu pergunto: por que esse descaso? Nós não somos um ponto turístico, nós não somos interessantes. Nós não somos, doutor. É por isso que não é interessante”, completou.
A determinação judicial estabeleceu tarefas para diferentes órgãos. Caberá à Secretaria estadual de Infraestrutura e Obras (Seinfra) fazer “intervenções estruturais que tenham por objetivo a mitigação de riscos geológicos”. A Secretaria estadual de Assistência Social terá que oferecer “aluguel social de forma ajustada com a Secretaria municipal de Assistência Social de Petrópolis”.
Multa para gestores
A Secretaria de Defesa Civil e Ações Voluntárias do município deverá identificar imóveis que precisam ser demolidos nas áreas onde serão feitas obras, enquanto a Secretaria municipal de Assistência Social terá que fazer a remoção das famílias para locais “adequados às impositivas práticas de preservação da dignidade humana”. Isso deve acontecer em até 45 dias, a partir da intimação dos respectivos secretários.
A demolição dos imóveis condenados ficará a cargo da Secretaria municipal de Obras de Petrópolis, “sempre atenta às normas que regem o empreendimento, sobremodo àquelas que estejam na ambiência da segurança de coisa e pessoas”. O prazo é de 15 dias.
O juiz diz que, “mesmo crédulo de que as deliberações serão cumpridas menos por ser comando judicial, e mais, muito mais, porque referem-se à criação de sistemas de proteção à nossa cidade e ao povo petropolitano”, fixou multas em caso de descumprimento. O valor será de R$ 50 mil a ser pago pelos titulares dos órgãos públicos.
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