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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar na segunda-feira (6) uma questão inédita relacionada ao mercado de moedas virtuais. A 3ª Turma analisa se o Itaú pode fechar a conta corrente de uma corretora de bitcoins. Por enquanto, apenas o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, votou, a favor do encerramento da conta. O julgamento foi suspenso por pedido de vista.
O recurso é da Mercado Bitcoin (Resp 1696214). No julgamento, a corretora argumentou, em defesa oral, que o fechamento de contas pode tornar a venda da moeda “marginal” no Brasil, além de ser anticoncorrencial. Já o Itaú indicou as implicações que teria em caso de suspeita de lavagem de dinheiro, além da sua autonomia para contratar.
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O banco notificou a corretora sobre o fechamento da conta corrente, sob a justificativa de desinteresse comercial em sua manutenção. A corretora decidiu, então, ir à Justiça para mantê-la ativa. A Mercado Bitcoin recorreu ao STJ depois de perder em primeira e segunda instâncias.
O julgamento interessa ao Santander, Banco do Brasil e Bradesco. Os dois primeiros também encerraram as contas da corretora. “O Bradesco nem quis abrir uma conta”, afirmou em defesa oral o advogado da empresa, José Roberto de Castro Neves. O processo envolvendo o Itaú foi o primeiro a chegar ao STJ. A questão também está na pauta do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Em sua exposição, o advogado afirmou que o mercado de bitcoin precisa de bancos para ter liquidez. A manutenção de uma conta corrente é necessária para o início e o fim da operação, caso o cliente queira liquidar a operação. Segundo Castro Neves, no julgamento, o STJ vai decidir se a criptomoeda será marginalizada. “Ela não vai acabar, mas ser marginalizada. Aí teremos um problema”, disse.
De acordo com o advogado, o argumento “maldoso” para fechar as contas é o de que o bitcoin pode ser usado para lavagem de dinheiro. “Joalheria também pode ser usada para lavar dinheiro, galeria de arte e até advocacia”, afirmou. Ele acrescentou que hoje a moeda é mais usada por jovens para o pagamento de jogos e que há mercado de especulação, mas não é o mais importante para o setor hoje.
A Mercado Bitcoin chegou a negociar R$ 170 milhões em bitcoins quando tinha a conta corrente aberta, conforme o advogado. O valor máximo de negociação permitido por dia é de R$ 500. Por isso, alegou que haveria segurança contra lavagem de dinheiro. Para ele, a restrição é abusiva e o motivo real é matar a concorrência.
Já advogado do Itaú, Ancelmo Moreira, afirmou que a empresa recebeu, dentro dos 30 dias previstos pelo Banco Central, o aviso de que teve sua conta encerrada por falta de interesse do banco em manter a conta. Em defesa oral, ele citou precedentes do STJ em outras situações de encerramento de conta, favoráveis às instituições financeiras.
“O banco não pode ser obrigado a manter um vínculo se, por apuração interna, concluir que não tem confiança naquele cliente. Ele pode encerrar a conta”, disse o advogado. O Itaú, acrescentou, teria ainda garantia de sigilo dos motivos para encerrar a conta.
“Não se trata de ação da Blockbuster contra a Netflix. O Itaú é um banco que incentiva plataformas digitais”, afirmou Moreira, sobre as acusações de interesses de concorrência. De acordo com o advogado, o banco não opera com criptomoeda, nem participa desse mercado ou concorre.
O advogado citou ainda que os bancos são obrigados a conhecerem o destino e origem das operações, sob pena de sanções administrativas. “O diretor pode ser preso”, disse. “Então agora, na sustentação oral, o senhor revela qual foi a causa que fez o banco fechar a conta”, afirmou a ministra Nancy Andrighi, logo após a sustentação oral. “Que pena que as instituições não trabalham com a verdade real. Eu fico impressionada com isso”, acrescentou a magistrada, que já havia adiantado que pediria vista, suspendendo o julgamento.
Antes da suspensão, o relator votou, mantendo decisão monocrática favorável ao Itaú — que cita jurisprudência no mesmo sentido, em casos envolvendo pessoa física. Em sua exposição, afirmou que o fechamento da conta corrente não configurou prática abusiva. Segundo o ministro, o Conselho Monetário Nacional permite o encerramento, observada apenas a necessidade de comunicação prévia.
No Brasil, segundo a advogada Tatiana Barbosa, do escritório Advocacia S. Barbosa, não há legislação específica para o mercado de bitcoins. Mas há corretoras, acrescentou, que seguem determinações feitas aos bancos, como a prestação de informações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Apesar de o encerramento de conta corrente ser possível, a advogada entende que os bancos deveriam dar o motivo real para o cancelamento do contrato.
Em nota, o Itaú Unibanco esclarece que “a conta corrente foi encerrada em virtude das regras de prevenção à lavagem de dinheiro, que obriga os bancos a averiguar a compatibilidade financeira e as características das partes envolvidas. “A inexistência de regulamentação do ramo de criptomoedas pode permitir eventual uso para fins ilícitos e prejudicar a rastreabilidade dos valores”, diz. E acrescenta que “o encerramento da conta observou todas as disposições contratuais e as normas do Banco Central, e foi validado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo”.
A Mercado Bitcoin, por sua vez, informa, em nota, que está tomando todas as providencias legais possíveis para o caso, uma vez que não foi constatada qualquer conduta irregular que justificasse o encerramento da conta. “Cumprimos todas as normas relacionadas às nossas atividades e buscamos seguir as melhores práticas em nossas operações e governança corporativa”, afirma. De acordo com a nota, a empresa mantém parceria com outros bancos para que as transferências bancárias sejam realizadas.
Fonte: Valor