Notícias | 10 de março de 2011 17:37

Liberação de terno gera polêmica

Pouca gente aproveita a regra no Rio de Janeiro, mas os advogados de todo o estado, se quiserem, podem dispensar o paletó e a gravata até o dia 21 de março, quando termina oficialmente o verão. Uma resolução da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OABRJ) tornou opcional o uso do terno durante o verão. De acordo com a entidade, os advogados do Rio de Janeiro só precisam usar calça e camisa sociais para frequentar os fóruns e até participar de audiências com juízes. A medida, adotada pelo segundo ano consecutivo, tem causado polêmica nos tribunais do estado, principalmente entre os magistrados que não abrem mão do traje formal.

A discussão sobre o assunto tem feito com que a resolução seja pouco aplicada, já que os advogados preferem usar o terno porque estão acostumados e gostam, ou porque preferem evitar desentendimentos com os magistrados.

Há relatos, inclusive, de juízes que se recusaram a fazer audiências com advogados sem paletó. “Já vi colegas pedirem o terno emprestado para serem recebidos pelo juiz”, conta o advogado Marcos Raimundo Chagas Silva, 46 anos, um dos poucos advogados circulando no Fórum Central do Rio na semana passada sem terno. “Hoje é exceção porque não tenho audiência”, justificou ele.

O advogado diz ter dispensado a gravata há um ano. Ele só usa o paletó, mas não abre mão dele nem no calor de 40 graus. “Não adianta a OAB dispensar, porque os juízes ainda são reticentes em relação a isso”, afirma.

O advogado Yolando Basiloni, 72 anos, também estava sem terno, mas disse que não entra em uma sala de audiência sem paletó e gravata. “Não concordo com essa resolução da OAB porque não fica bem para o profissional”, argumentou. “Hoje estou esporte só porque vim pegar um processo para tirar cópia”, disse.

Pelos corredores do fórum, é possível ver advogados sem paletó, mas com gravata. A grande maioria, porém, usa o terno completo. “Tenho que usar o terno até pelo trabalho que faço no escritório. Sempre tenho reuniões e prefiro estar com ele”, conta o advogado Vinícius Pessoa, 27 anos. “Às vezes fico sem gravata e só coloco na hora da audiência. Alguns juízes não aceitam e não recebem o advogado se ele estiver sem o terno”, disse o advogado Marcelo Lima, 53 anos.

Toga

Para Telmo Piacesi, 63 anos, que jamais entraria no tribunal sem paletó e gravata, o advogado sempre tem que estar vestido adequadamente. Por isso, ele tem uma sugestão para os dias de muito calor, adotada em outros países. “O advogado tem uma espécie de toga para participar de audiências com os juízes. Daí, tanto faz a roupa que ele usa por baixo”, disse. “Já é um costume de longa data o advogado usar terno e gravata.” A OAB-RJ decidiu tornar o uso do paletó e da gravata opcional em 9 de fevereiro e a medida vale até o fim da estação mais quente do ano. Para isso, a entidade levou em consideração uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do ano passado, quando a OAB-RJ protocolou um pedido de providências para que fosse permitido aos advogados o ingresso nas dependências do Judiciário sem paletó e gravata, substituídos por camisa e calça social.

A OAB queria que o conselho ratificasse a resolução da seccional, mas o conselheiro Felipe Locke Cavalcanti se manifestou afirmando que o ato independia de ratificação, porque não há vinculação entre a OAB e o CNJ. Segundo o conselheiro, a disciplina das vestimentas dos advogados em condições climáticas tão desfavoráveis deveria ser uma questão de bom senso.

O presidente da Comissão de Justiça do Trabalho da OABRJ, Ricardo Menezes, interpreta a decisão do CNJ como um sinal verde para a OAB regulamentar a questão. “Nós queríamos saber se a determinação teria que vir dos tribunais, mas, para o CNJ, cabe ao presidente de cada seccional baixar uma resolução sobre o assunto”, argumentou. Segundo ele, a resolução tem causado polêmica porque os presidentes dos tribunais não deram ciência da medida aos juízes de primeira instância.

Calor

“Estar sem terno e gravata não significa desrespeitar o Poder Judiciário. Não é a roupa que vai determinar a postura do profissional”, afirmou. “O não uso do terno é opcional. Eu mesmo defendo a calça e a camisa social, mas tenho o hábito de usar paletó e gravata. O verão se torna mais quente a cada ano e, na Justiça do Trabalho, por exemplo, as varas da primeira instância ficam em uma rua sem nenhuma arborização. Não tem nenhuma sombra e o calor é insuportável”, completou.

A Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) não concorda com os argumentos. O presidente da entidade, desembargador Antonio César Siqueira, já afirmou que não cabe à OAB ditar a liturgia adotada pelos tribunais. O 2º vice-presidente da entidade, Antonio Augusto de Toledo Gaspar, que é juiz na capital, disse que não faria uma audiência com um advogado sem terno e gravata e conta que, quando era juiz em São Gonçalo, tinha no gabinete um paletó e algumas gravatas para emprestar a advogados que porventura chegassem sem o traje para uma audiência. “Sou magistrado há 15 anos e acredito que certos hábitos são necessários na liturgia jurídica. O formalismo é necessário na hora de despachar com o juiz. O juiz usa a toga e o advogado, o terno, como uma forma de uniformizar e fazer com que todos fiquem iguais pelo menos na vestimenta”, afirmou. “O advogado pode andar na rua sem terno, ir ao cartório, mas não entrar em uma audiência. A formalidade do ato processual não pode ser definida pela OAB.” A Amaerj também defende que uma solução possível para aliviar o calor seria o uso de becas no lugar do terno.

Fonte: Jornal do Commercio