Notícias | 13 de setembro de 2012 14:36

Juristas se mostram decepcionados com o anteprojeto do novo Código Penal

A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) deu início na última terça-feira, dia 11, ao “Seminário Crítico da Reforma do Código Penal” com a participação de juristas, magistrados, operadores do direito e estudantes na platéia do Auditório Antônio Carlos Amorim, no 4º andar do Tribunal de Justiça. O professor Juarez Cirino dos Santos, da Universidade Federal do Paraná, e o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sebastião Reis Júnior foram os dois palestrantes do dia. Ambos demonstraram frustração e preocupação com o anteprojeto do novo Código Penal. O evento se estenderá até hoje, dia 13.

O presidente do Fórum Permanente de Especialização e Atualização nas áreas do Direito e Processo Penal, desembargador Paulo Baldez, disse na abertura do evento que este era um momento de grande reflexão e que a Escola não poderia perder a oportunidade de influenciar os rumos da reforma penal. A diretora da Emerj, desembargadora Leila Mariano, afirmou que houve uma conjugação de esforços para a realização de um evento de tamanha magnitude. “Podemos contribuir para o aprimoramento da lei penal”, disse.

O professor Juarez Cirino abordou em sua palestra intitulada “A ideologia da Reforma Penal” as idéias centrais que conduzem ao projeto, ainda em debate no Senado Federal. Ele afirmou que ao começar a leitura do anteprojeto foi tomado por decepção e indignação. “Ele é todo disforme, um Quasimodo”, ressaltou. Para o mestre, há desrespeito a princípios fundamentais do Direito e imprecisões conceituais graves, onde muitos estão em linguagem técnica. “O princípio da legalidade, por exemplo, proíbe a imprecisão das leis penais, porque isso permite a idiossincrasia dos juízes”, destacou.

Juarez Cirino disse ainda que a comissão do anteprojeto está preocupada em fazer o capitalismo funcionar. “Acreditam na pena como instrumento de correção, de enfrentamento de problemas sociais”, afirmou. Ele citou algumas questões que, em sua opinião, demonstram a falta de humanidade do projeto: penas excessivas nos crimes hediondos, excesso de rigor com a progressão, aumento dos tipos penais ao invés de redução, extinção da suspensão condicional da pena (sursis) e do livramento condicional. “Era melhor deixar o Código como está e fazer a revisão apenas na parte geral”, finalizou.

O ministro Sebastião Reis ratificou a impressão de que os direitos e garantias individuais foram abandonados no anteprojeto do novo Código Penal. Para ele, está presente a ideologia da repressão. Ele alertou para o perigo de a mídia e a opinião pública fazerem pressão sobre os julgadores. “Nada mais perigoso para o estado democrático que o vilipêndio do direito de defesa. Quando há ausência de controles (naturais e sociais), quando há omissão dos Poderes, buscam-se o Direito Penal para resolver problemas sociais. O Estado hoje age provocado pela mídia”, frisou. Para ele, a conseqüência pode ser o “surgimento de um regime totalitário”.

De acordo com o ministro, trabalhou-se com a idéia do Direito Penal do Inimigo. “Há uma reação natural e imediata em função dos crimes que assolam a sociedade para aumentar penas e reduzir direitos, entretanto, a emoção não pode preponderar”, disse. Ainda segundo ele, o Estado que produz e aplica as leis não pode coadunar com a vontade popular de vingança. “Não deve prevalecer o Direito Penal de Emergência”, afirmou o ministro Sebastião Reis.

Além dos desembargadores Leila Mariano e Paulo Baldez e dos palestrantes, participaram da mesa de abertura o 1º vice-presidente do TJ-RJ, desembargador Nametala Machado Jorge; o defensor público Pedro Paulo Carriello, da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio; o desembargador Sergio Verani, presidente do Fórum Permanente de Direitos Humanos; o professor Juarez Tavares, da Universidade do Estado do Rio (UERJ); o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Patrick Mariano; o advogado e presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Fernando Fragoso; e a conselheira e presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/RJ, Fernanda Lara Tórtima.

No final do evento, foram entregues aos palestrantes certificados de participação e cópia em DVD de suas palestras, além de diplomas aos demais integrantes da mesa.

2º dia

A desembargadora Leila Mariano, abriu o segundo dia do “Seminário Crítico da Reforma Penal” com o presidente do Fórum Permanente de Especialização e Atualização nas Áreas do Direito e de Processo Penal, desembargador Paulo Baldez; o professor Juarez Tavares, coordenador científico do evento; e o juiz Marcos Augusto Ramos Peixoto, que presidiu o primeiro painel desta quarta-feira, dia 12.

Antes do início das palestras, a diretora da Emerj destacou a importância da troca de conhecimentos e exibiu um vídeo sobre o projeto Justiça em Ação, promovido pelo Tribunal de Justiça do Rio, através do Departamento de Avaliação e Acompanhamento de Projetos Especiais (Deape), no Lixão de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias. “Eu desejo a todos um dia pleno de trocas”, declarou a desembargadora Leila Mariano.

O promotor do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro Tiago Joffily, ao abordar o tema “O Princípio da Lesividade na Reforma Penal”, identificou um falso avanço no texto do projeto, uma vez que a proposta sugere um avanço formal com um retrocesso enrustido. Ele questionou também o que seria a potencialidade lesiva e suas diferenças em relação às hipóteses de perigo e lesão concretizada. “O tratamento do Princípio da Lesividade é um falso avanço e a repercussão desse tratamento vai afetar vários outros princípios do nosso Direito Penal”, afirmou o palestrante.

Em sua apresentação, a professora Vera Regina Pereira de Andrade, da Universidade Federal de Santa Catarina, fez uma “Análise Criminológica da Reforma”, sustentando que o sistema prisional é um exercício de poder e dominação de classe e que a reforma penal está negando a deslegitimação da pena e do sistema penal. “A situação do sistema prisional brasileiro é um atentado aos direitos humanos”, frisou ela, lembrando ainda que “o sistema penal que nós temos é indigno e nós não podemos replicar a indignidade dessa reforma”.

Ao discorrer sobre “Stalking e a Criminalização do Cotidiano”, o juiz Alexandre Morais da Rosa, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, esclareceu que “Stalking” nada mais é do que, conforme previsto no art. 147, parágrafo 1º do Projeto de Reforma do Código Penal, “perseguir alguém, de forma reiterada ou continuada, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. Ele informou ainda que países como Índia, China, Canadá, Estados Unidos, Japão e Austrália já possuem a tipificação do “Stalking” e que estamos passando por uma criminalização do cotidiano. “O que nós temos é a criminalização do cotidiano que gera um medo às avessas de não podermos mais nos relacionar”, completou.

O juiz do TJ-RJ Alcides da Fonseca Neto, titular da 11ª Vara Criminalda Capital, discorreu sobre “A Aplicação da Pena na Reforma” e criticou o caráter de retribuição e castigo da pena. “Como é possível pensar na recuperação de alguém se o juiz condena com caráter de punição, castigo?”, indagou. O magistrado ressaltou que os princípios constitucionais não foram levados em conta. “Esse projeto se baseia em tudo menos em princípios constitucionais que, realmente, interessem à nossa democracia”, afirmou. O juiz disse ainda que “se tivermos que ter um novo Código Penal, que seja menos arbitrário e mais progressista e democrático”.

Fonte: Assessoria de Imprensa do TJ-RJ | Fotos: TJ-RJ