Judiciário na Mídia Hoje | 25 de julho de 2022 15:34

Tribunal do júri completa 200 anos: veja homicídios que chocaram o Rio

*O Globo

Em 18 de junho de 1822, Dom Pedro I introduzia o tribunal do júri no Brasil. Na época, o conselho de sentença nascido do decreto do então príncipe regente, antes mesmo de o país se tornar independente, reunia 24 “juízes de fato” — hoje, são sete — selecionados entre “homens bons e honrados, inteligentes e patriotas”, e tinha um só propósito: julgar os crimes de imprensa. No Rio, a primeira sessão se deu em 25 de junho de 1825, justamente em uma ação sobre “injúrias impressas”.

De lá para cá, o Estado se transformou, leis e costumes foram criados e alterados. O que pouco mudou foi a aura em torno do tribunal do júri, símbolo da Justiça Criminal que completa 200 anos no Brasil. O instituto, que encontra sua origem remota na Grécia e Roma antigas, foi introduzido no país seguindo uma tendência mundial de compartilhar com os demais cidadãos a aplicação das leis. Em 1946, quando uma nova Constituição Federal proclamou entre os “Direitos e Garantias Individuais” as regras adotadas até hoje, como a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida — homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio e aborto, além de número ímpar nos membros do conselho de sentença, o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos vereditos.

Para marcar o bicentenário, O GLOBO relembra 12 homicídios que chocaram o Rio e cujos acusados foram levados aos bancos dos réus para serem julgados por jurados, nesse período. De acordo com um levantamento feito pelo Tribunal de Justiça, foram quase 6.500 sessões em plenário no estado, com mais de três mil sentenças condenatórias, apenas nos últimos cinco anos.

Euclides da Cunha: a tragédia da Piedade

O escritor Euclides da Cunha — Foto: Reprodução

O escritor Euclides da Cunha foi morto na residência do jovem cadete Dilermando Cândido de Assis, que mantinha um relacionamento amoroso com sua esposa, Anna Emília Solon da Cunha. O episódio, que ficou conhecido como a “tragédia da Piedade”, ocorreu em 1909, no subúrbio carioca, e culminou em dois julgamentos pelo Tribunal do Júri, em que ambos decidiram pela absolvição do militar, por entender que ele agira em legítima defesa.

O crime da Sacopã

Jorge Alberto Franco Bandeira, o tenente Bandeira, julgado pelo crime da Sacopã — Foto: Agência O Globo

Crime da Sacopã é como ficou conhecido o homicídio de Afrânio Arsênio de Lemos, ocorrido nas imediações da Lagoa, na Zona Sul do Rio, em 1952. De acordo com a acusação, o tenente Alberto Jorge Franco Bandeira cometera um crime passional, envolvendo um triângulo amoroso, já que sua namorada, Marina Andrade Costa, teria um caso com o bancário. Levado ao banco dos réus, o militar foi condenado a 15 anos de cadeia, tendo cumprido a metade da pena e sido beneficiado com livramento condicional. Mas logo depois, o presidente Juscelino Kubitschek concedeu indulto a ele e 20 anos depois, Bandeira foi reintegrado à Aeronáutica, quando seus advogados conseguiram a anulação do julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Aída Curi, estuprada e jogada do topo de prédio

Aída Curi: jovem foi violentada e jogada do topo de um edifício em Copacabana — Foto: Reprodução

Aída Jacob Curi foi morta, em 1958, após ser jogada do topo de um edifício em Copacabana, na Zona Sul da cidade. Dois rapazes teriam levado a jovem para o local, ajudados pelo porteiro Antônio Souza, e a abusaram sexualmente. De acordo com a perícia, ela teria sido submetida a pelo menos 30 minutos de tortura e luta intensa contra os três agressores, até vir a desmaiar. Para encobrir o crime, seu corpo teria sido atirado para simular um suicídio.

Houve três julgamentos: ao final, Ronaldo Castro foi inocentado pelo homicídio, sendo condenado por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro, assim como o funcionário do edifício. Já Cássio Murilo, menor de idade à época, foi condenado pelo homicídio da moça, encaminhado ao Sistema de Assistência ao Menor (SAM), de onde saiu direto para prestar o serviço militar.

Fera da Penha: assassinato de menina

Neide Maia Lopes, conhecida como a Fera da Penha, em 01/07/1960 — Foto: Agência O Globo

A Fera da Penha é como ficou conhecida Neyde Maria Maia Lopes, presa por sequestrar e matar Tânia Maria Coelho Araújo, conhecida como Taninha, de 4 anos, em 1960, em um galpão do Matadouro da Penha, na Zona Norte. Com um revólver calibre 32, ela atirou na criança e, para tentar ocultar o corpo, incendiou o local. De acordo com as investigações, ela estaria se vingando de Antônio Couto Araújo, pai da criança com quem havia tido um relacionamento. Em um primeiro julgamento, foi proferida a sentença de 33 anos de prisão em regime fechado, pena confirmada na segunda sessão. A mulher ficou presa por 15 anos.

Ângela Diniz, morta pelo namorado Doca Street

Doca Street e Ângela Diniz em foto feita no mesmo dia do crime, em 1976 — Foto: Reprodução

Em 1976, Raul Fernando do Amaral Street matou sua namorada, Ângela Diniz, após intensa discussão. Ele desferiu quatro tiros contra a mulher, sendo três no rosto e um na nuca. Ângela Diniz ficou totalmente desfigurada. O caso, que ficou conhecimento como “Doca Street”, foi levado a julgamento no dia 18 de outubro de 1979. Houve dois júris: no primeiro, a condenação foi de dois anos; no segundo, a pena foi elevada para 15 anos de reclusão.

Claudia Lessin, encontrada morta nua e amarrada a pedras

Cláudia Lessin, encontrada morta nua e amarrada a pedras — Foto: Reprodução

Cláudia Lessin Rodrigues, de 21 anos, foi encontrada morta nua e com pedras amarradas ao pescoço, após uma festa na casa do milionário suíço-brasileiro Michel Frank, em 1977. Seu corpo foi encontrado por um operário, na altura do chamado Chapéu dos Pescadores na encosta da Avenida Niemeyer, Zona Sul carioca. O julgamento do caso ocorreu em 1980, três anos após a morte, durou cinco dias, um dos mais longos do Tribunal do Júri no Brasil. Ao final, George Khour foi condenado por ocultação de cadáver e cumpriu pena de três anos e quatro meses. O júri concluiu que ele não era o autor da morte de Cláudia Lessin. O suposto comparsa havia fugido para a Europa e não foi julgado, tendo morrido assassinado em Zurique, em 1989.

Dorinha Durval matou o marido

A atriz Dorinha Durval, condenada pela morte do marido — Foto: Reprodução

A renomada atriz Dorinha Durval tinha acabado de atuar em um papel importante em uma novela de 1980 quando foi parar direto nas páginas policiais. Ela matou o próprio marido, o publicitário Paulo Sérgio Garcia Alcântara, 16 anos mais novo, com três tiros após uma intensa discussão do casal em que ele teria dito palavras abusivas contra ela. A artista respondeu o processo em liberdade, tendo sido absolvida no primeiro julgamento sob a tese de legítima defesa. Posteriormente, em outros julgamentos, sua condenação foi fixada em seis anos de reclusão.

A estrela de TV Daniella Perez, morta por ator de novela

A atriz Daniella Perez, morta no auge da carreira — Foto: Paulo R. Fonseca

O corpo da atriz Daniella Perez, de 22 anos e que atuava na novela “De corpo e alma” foi encontrado em um matagal, na Barra da Tijuca, perfurado com 18 golpes de tesoura, oito deles no coração. Seu par romântico no folhetim, o ator Guilherme de Pádua, foi preso e confessou o crime. Ele foi condenado a 19 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e sem reação da vítima. Já sua mulher, Paula Thomaz, recebeu pena de 18 anos e meio.

Chacina da Candelária: oito jovens mortos no Centro do Rio

Imagem de 1993 mostra o enterro do adolescente Caolho, morto na Chacina da Candelária. — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Em 1993, oito jovens, entre 10 e 19 anos, que dormiam próximo à Igreja da Candelária, no Centro do Rio, foram mortos a tiros. No decorrer do inquérito, foram indiciadas sete pessoas no total. Três policiais militares foram condenados no julgamento pelo crime: Nelson Oliveira dos Santos Cunha, que recebeu pena de 261 anos; Marcos Aurélio de Alcântara, sentenciado a 204 anos; e Marcus Vinícius Emmanuel Borges, a 300 anos. Todos saíram antes de completar 20 anos de prisão, graças a indultos judiciais.

Chacina de Vigário Geral: 20 mortos pelos Cavalos Corredores

Os mortos na chacina de Vigário Geral, em 30/08/1993 — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Quatro policiais militares foram atraídos para a Praça Catolé do Rocha, em Vigário Geral, Zona Norte do Rio, após receberem um telefonema anônimo. Tratava-se de uma emboscada de traficantes de drogas e eles acabaram sendo executados a tiros. No dia seguinte, em retaliação, mais de 50 homens que integravam um grupo de extermínio conhecido como “Cavalos Corredores” invadiram a comunidade e mataram 22 pessoas, e, 1993, nenhuma com antecedente criminal. No total, 52 pessoas foram denunciadas pelo crime em dois processos diferentes. Sete denunciados foram condenados em um dos julgamentos, sendo alguns absolvidos posteriormente.

Tim Lopes, assassinado durante reportagem investigativa

O jornalista Tim Lopes, morto durante reportagem investigativa — Foto: Reprodução

O repórter Tim Lopes foi morto quando fazia uma reportagem sobre abuso de menores e tráfico de drogas no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, em 2002. O jornalista foi capturado, torturado e executado por traficantes ao ser descoberto filmando homens armados. Dos criminosos envolvidos no crime, três foram mortos e Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, foi condenado a 28 anos e seis meses de prisão. Elizeu Felício de Souza, o Zeu; Reinaldo Amaral de Jesus, o Cadê; Fernando Sátyro da Silva, o Frei; Cláudio Orlando do Nascimento, o Ratinho; e Claudino dos Santos Coelho, o Xuxa foram sentenciados a 23 anos e seis meses; e Ângelo Ferreira da Silva, o Primo, recebeu uma pena de 15 anos.

Os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes

A vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018 – Reprodução

Em 2018, a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes foram mortos a tiros dentro do carro, no Estácio, Região Central do Rio. De acordo com as investigações, o policial reformado Ronnie Lessa atirou contra a vereadora, atingindo também seu funcionário, e o ex-militar Élcio Vieira de Queiroz dirigia o carro que perseguia a parlamentar. Os dois estão presos e foram pronunciados pelos homicídios, devendo ser levados a julgamentos no futuro pelo tribunal do júri. Os mandantes ainda não foram identificados.