* João Batista Damasceno
Qual a diferença entre as Forças Armadas que oprimiam jovens de classe média durante os governos militares do Brasil e as Forças Armadas que oprimem jovens negros das favelas e periferias no atual governo?
Qual a diferença entre o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgão da polícia estadual que prendia militantes e fazia controle ideológico durante a ditadura militar, e a DRCI (Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática), órgão da polícia estadual que prende militantes e faz controle ideológico no atual governo?
Qual a diferença entre as perícias feitas por Harry Shibata, acusado de produzir laudos falsos durante a ditadura militar, atestando como suicídios as mortes de Manuel Fiel Filho e Vladimir Herzog, e a perícia que atestou ser de uma menina o corpo jogado numa lixeira pela polícia a fim de encobrir o crime praticado contra o menino Juan?
Qual a diferença entre o relatório do coronel Job Lorena no Caso Riocentro, elaborado para encobrir os crimes dos agentes do Estado e no qual constava que os ‘terroristas oficiais’ tinham sido vítimas de militantes de esquerda, e o relatório do delegado que tentou incriminar Amarildo, para encobrir os crimes dos agentes do Estado?
Qual a diferença entre o governo que promoveu ao generalato o coronel Job Lorena, depois do seu relatório que isentava de responsabilidade os ‘terroristas oficiais’, e o governo que prestigiou o delegado que tentou elaborar relatório incriminando Amarildo, lotando-o na DRCI para investigar manifestantes?
Qual a diferença da atuação do Ministério Público durante a ditadura, na busca do esclarecimento e da responsabilização dos autores da farsa do relatório do Riocentro, e a atuação do atual Ministério Público, na busca do esclarecimento e da responsabilização dos autores da farsa do relatório que tentou incriminar Amarildo?
Qual a diferença da dor dos filhos de Rubens Paiva e de outros desaparecidos políticos da ditadura, mortos depois de sessões de tortura nas dependências policiais e militares, e a dor dos filhos de Amarildo e de outros desaparecidos da democracia, mortos depois de sessões de tortura em dependências policiais e militares?
O que há de distinguir uma ditadura de uma democracia não pode ser o nome lhes atribuído, mas as práticas sociais e institucionais. A democracia não pode resguardar apenas o direito de parcela privilegiada da sociedade, mantendo a exclusão e a violação dos direitos dos pobres, sob pena de se tornar imprestável ao povo, no prejuízo da sua própria manutenção. A redemocratização e os direitos dela decorrentes precisam ser estendidos à periferia. Democracia não é apenas direito de votar, mas, também, de participar da vida cidadã e gozar de bens comuns.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito
Fonte: O Dia