Notícias | 14 de outubro de 2015 10:27

O especismo de René Descartes e as críticas de Voltaire

* Gilberto Pinheiro

Lembrar especismo é lembrar discriminação, aquilo que é inaceitável. Há seres humanos que inexplicavelmente se consideram superiores às demais espécies quando, na verdade, deveriam por elas zelar. Refiro à fauna e à flora. E tal preconceito e ranço de “superioridade” humana vêm de longe, tendo raízes no decorrer dos séculos passados.

Na plenitude do século XVII na França, René Descartes, destacado filósofo, matemático e físico que inclusive influenciou toda a Ciência da época, assim pensava de forma soberba – entendia os animais como seres inferiores e, por conseguinte, à disposição do homem para atender-lhe a todas as necessidades, inclusive, em pesquisas científicas como cobaias.

E conseguiu influenciar a sociedade francesa e, por que não dizer, de toda Europa com esta forma sectária e perversa de entendimento e a Ciência seguiu suas orientações. Na verdade, a ontologia Cartesiana admitia a existência da alma na espécie humana e ausente nos animais. Segundo esta consideração discriminatória, os animais não sentiam dor, não tinham emoção, sentimento. Descartes entendia que eram seres vivos sem demonstrar sensibilidades próprias de seres sencientes.

VOLTAIRE E AS JUSTAS CRÍTICAS AO ESPECISMO

Mas, nuvens espessas do atraso passam e logo surge o sol clareando mentes e corações. Voltaire, proeminente escritor, ensaísta e filósofo iluminista do século XVIII fez contundentes críticas ao especismo e, indiretamente, teceu comentários negativos a René Descartes e, diga-se de passagem, com toda razão. Abaixo, registro o que dissera Voltaire sobre o especismo e o preconceito em relação aos animais:

“Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam!

Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, idéias? Pois bem, calo-me!

Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento. Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias.

Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Responde-me maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objectivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza tão impertinente contradição.”

Voltaire no íntimo de sua sagacidade e respeito à vida dos animais criticou a onda de crueldade oriunda do especismo, a utilização deles como cobaias em experências dolorosas, na verdade, influência nefasta de René Descartes que subjugava os animais. Hoje em dia, a ontologia cartesiana e o pensamento retrógrado especista estão com os dias contados. O ser humano da atualidade repudia quaisquer crueldades e formas perversas de discriminação aos animais. Eles merecem viver como todos nós.

Gilberto Pinheiro é jornalista, palestrante em escolas e universidades sobre a senciência dos animais