EMERJ | 21 de setembro de 2020 16:41

‘O Dia’ entrevista o diretor-geral da EMERJ, desembargador André Andrade

*O Dia/Sidney Rezende

Desembargador André Andrade | Foto: EMERJ

Mesmo antes da posse do ex-promotor de Justiça e desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, em 2019, como diretor-geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), ele já era conhecido por sua simpatia no trato pessoal. Esta facilidade de comunicação explica, em parte, todo o seu esforço na popularização da Justiça e incluir a cidadania como um elemento importante para a democracia.

Formar juízes e trabalhar para qualificar ainda mais a atividade do magistrado são obsessões de André Gustavo. “É uma missão, porque eu acredito que sem o conhecimento, sem a educação, nós não temos como nos desenvolver como pessoa; a sociedade não tem como se aprimorar, se aperfeiçoar”.

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Filho do desembargador Luiz Antônio de Andrade, André Gustavo é magistrado há 28 anos. Professor de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas, é autor do livro “Dano Moral e Indenização Punitiva” e organizador do livro “A Constitucionalização do Direito – A Constituição como locus da hermenêutica jurídica”. Tem assento efetivo na 7ª Câmara Cível.

O Dia: Qual a importância da Emerj para o Rio e para o Brasil?
André Andrade:
A Emerj foi a primeira Escola Judiciária pública do Brasil. Criada pelo saudoso desembargador Cláudio Vianna de Lima, ela tem por objetivo principal contribuir para a formação e o aperfeiçoamento dos magistrados do nosso estado. Mas ela vai muito além disso. A Escola tem contribuído para a capacitação de vários profissionais do direito e sediado debates sobre temas importantes para a sociedade.

A Escola foge da discussão teórica e dá prioridade a questões da vida real do cidadão?
Os cursos e as palestras são fundamentalmente voltados para a solução de problemas do mundo real, para a realidade prática. É claro que, com este objetivo, há um empenho em reforçar as bases teóricas que os juízes precisam ter para bem decidir. O ato de julgar depende, fundamentalmente, de um bom raciocínio jurídico, porque as decisões judiciais devem ser sempre fundamentadas no direito e na racionalidade.

Vocês discutem a importância da liberdade no Brasil atual?
A liberdade é um dos pilares da democracia e um dos valores fundamentais da nossa sociedade. Como tal, ela é tema constante de nossos cursos e seminários. No ano passado, debatemos a questão dos limites do humor, em razão de várias polêmicas envolvendo humoristas e chargistas, que foram alvos de processos judiciais. No começo do ano, houve mais de um debate relacionado aos limites do humor em relação à religião, por conta de um vídeo produzido ano passado pelo grupo Porta dos Fundos para a Netflix. O vídeo, considerado ofensivo à religião cristã, chegou a ser proibido por decisão do nosso Tribunal, rapidamente e em boa hora, reformada pelo STF. Recentemente, debatemos a liberdade de expressão e de imprensa em casos de processos que correm em segredo de Justiça, tema que tem sido objeto de exame pelo Poder Judiciário.

Quais são os limites da liberdade individual e da liberdade coletiva?
Na verdade, a liberdade tem que ser considerada de forma plural. Não há uma liberdade, mas vários tipos de liberdade: liberdade de ir e vir, liberdade de manifestação e expressão, liberdade de ação profissional, liberdade econômica, etc. Essas liberdades, como não poderia deixar de ser, têm vários limites, não apenas jurídicos, mas também sociais. Não fazemos ou dizemos tudo o que queremos, porque vivemos em sociedade, e temos obrigações, sociais, morais e jurídicas, uns para com os outros. A minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro. O direito já é, em si, uma restrição à nossa liberdade. Só há que ter cuidado para que a nossa liberdade não seja abusivamente limitada. Por isso temos uma Constituição, que coloca freios à ação do governo, protegendo nossas liberdades.

Há diferença entre o que vocês discutem hoje como assuntos importantes do Judiciário em relação ao que se debatia no passado?
O ensino judiciário hoje está mais preocupado com os problemas sociais do que no passado. Atribuo isso a uma maior importância dada aos direitos fundamentais e sociais, consagrados na Constituição Federal. O magistrado tem consciência de que mais importante do que julgar uma causa é buscar uma verdadeira solução para o conflito social contido no processo. Por isso, tem crescido o estudo dos meios alternativos de solução de conflitos, como é o caso da mediação.

Muita gente diz que o Judiciário é uma caixa-preta. Como democratizar este poder?
O Judiciário tem se aberto cada vez mais, a ideia clássica de que o juiz “só fala nos autos” aos poucos está se modificando. Há uma maior compreensão da importância da transparência e do diálogo com a sociedade, que precisa saber como são solucionados os conflitos de interesse levados ao Judiciário. A transmissão dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, embora criticada por muitos, em razão principalmente da exposição pública de alguns conflitos entre os julgadores, contribuiu bastante para essa transparência. Mas ainda há um bom caminho a percorrer para tornar o Poder Judiciário ainda mais transparente.

O que mais preocupa os jovens juízes ainda em formação?
O juízes, quando iniciam a carreira, já têm uma forte base teórica, porque acabaram de passar por um concurso dificílimo, que constitui uma verdadeira peneira. O grau de dificuldade para passar em um concurso para juiz é elevado. Por isso, o jovem magistrado se preocupa mais com as dificuldades e os desafios práticos do exercício da função jurisdicional. E é isso que a Escola busca trazer para eles.

O Rio de Janeiro é o estado com mais incidência de problemas criminais? É justa esta avaliação quando se fala do nosso estado?
O Rio é um estado com muitos problemas sociais. Elevada concentração urbana, acentuada desigualdade social, ausência ou deficiência de serviços públicos, dificuldades econômicas, tudo isso tem contribuído para o estado de coisas em que, infelizmente, se encontra o Rio. Um estado em que vários dos seus governantes foram presos e responderam e ainda respondem a processos criminais não poderia estar muito melhor. Só com políticas públicas sérias, de médio e longo prazos, que não visem apenas as próximas eleições, é possível melhorar a situação do Rio.