Siro Darlan*
A vida de um magistrado é muito dura. Primeiro, tem que estudar como um mouro para passar no difícil concurso da magistratura. Inicialmente, tem que muitas vezes se afastar da família para trabalhar em longínquas comarcas, onde geralmente sofre um isolamento cultural e afetivo, permanecendo longo tempo sem o convívio com os colegas e familiares.
Sofre a angústia de julgar seus semelhantes, sendo falível como qualquer ser humano. O ato de condenar ou absolver é um exercício constante de humildade. A tentação do poder de mandar e ser obedecido é outra questão que passa pela mente e mãos de um juiz. Esse é um fardo pesado que vem acompanhado da vaidade do cargo, do orgulho e da constante tentação para o mal e a fascinação pelas honrarias.
No entanto, acompanha o juiz a preocupação constante de ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo, sereno e humilde. Ser amigo da verdade e aplicador da Lei antes de tudo. Mas o que não pode faltar ao magistrado é a coragem para dizer o direito com independência e sensibilidade ao julgar seus semelhantes.
A atitude de uma magistrada do Tribunal do Rio de socorrer a família da Cláudia, que deixou oito filhos órfãos, arrastada pelas ruas pelas mãos insensíveis de profissionais da violência, ofertando-lhe no anonimato vultosa importância, e ao mesmo tempo inaugurar campanha de doações para a conta do Banco Itaú, agência 6002, conta 37428-5, é de encher de orgulho seus colegas.
A sensibilidade dessa mulher, chamada por todos de Anjo de Toga, demonstra que, em meio às atribulações da judicatura, há espaço para atos de solidariedade. Essa é uma face dos juízes desconhecida de grande parte da população, que geralmente é levada a aumentar pelas lentes de uma mídia comprometida à falibilidade que atinge, como não podia deixar de ser, os humanos que exercem a magistratura.
É claro que, como prestador de serviços públicos, deve-se estar atento para esse dever de transparência e aperfeiçoamento do Judiciário, mas é preciso enfatizar que a maior parte dos juízes e juízas faz o melhor que pode em meio a carências materiais, de pessoal e de estrutura nos tribunais.
Em tempos de choro no futebol e da Páscoa, as palavras de Santo Agostinho soam muito oportunas: “Cristo, no auge da Paixão, quando os inimigos pensam ter alcançado grande vitória, Ele deu voz à nossa fraqueza, que foi sendo crucificada junto com o nosso eu interior”. E seu choro foi “Deus, Meu Deus, por que me abandonastes?”
*Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia.
Fonte: O Dia