Notícias | 21 de março de 2016 18:28

Novo CPC é ‘um passo no escuro’ e ‘está dissociado da realidade forense’, diz Leonardo Castro à TV Brasil

Leonardo Castro TV Brasil

Em vigor desde sexta-feira (18), o novo Código de Processo Civil foi o tema da entrevista do juiz Leonardo Castro, titular da 17ª Vara Cível do TJ-RJ, no Repórter Rio, da TV Brasil. O magistrado, que estudou o CPC por seis meses, se mostrou pessimista em relação à mudança. “É muito cedo para saber se ele vai facilitar ou atrapalhar o andamento do Judiciário. É um código muito bonito de se estudar, ele faz uma ode ao contraditório, à ampla defesa, mas parece estar um pouco dissociado da realidade forense. Apesar da motivação dele estar fundada na celeridade do novo processo, é difícil encontrar ali algum dispositivo que facilite essa celeridade,” disse.

Para Leonardo Castro, um dos pontos conflitantes para a celeridade é a alteração dos prazos, que eram contados em dias corridos e agora passará a ser em dias úteis. “Demos um passo no escuro, estamos inclusive chamando esse código de o ‘bug do milênio’, porque não sabemos o que vai acontecer daqui para frente.”

Assista à íntegra da entrevista:

Leia a íntegra da entrevista:

Repórter Rio: As mudanças são muitas e buscam garantir rapidez ao processo judicial. O novo código facilita a vida do cidadão?

Juiz Leonardo Castro: É muito cedo para dizer se ele vai facilitar ou atrapalhar o andamento do Judiciário. Como é um sistema totalmente novo em relação à lei anterior, só vamos poder saber se vai efetivamente facilitar o processo depois que o tribunal começar a se posicionar sobre determinadas questões que o próprio Código traz. Ele traz muitas dúvidas para as pessoas que estão estudando. Não sabemos exatamente como se dará na prática, mas posso adiantar que eu, pessoalmente, e o grupo de juízes que estudamos este código –durante seis meses, no ano passado –, temos uma visão pessimista em relação a ele. 

É um código muito bonito de se estudar, faz uma ode ao contraditório, à ampla defesa, tem uma carga acadêmica muito forte, mas na verdade parece que está um pouco dissociado da realidade forense. Apesar de a motivação dele estar fundada na celeridade do novo processo,  é difícil encontrar ali algum dispositivo que vá facilitar essa celeridade.

Repórter Rio: Ou seja, só na prática, juízes e advogados vão saber se a agilidade na Justiça vai ser conseguida?

Leonardo Castro: Sim, porque ele traz muitos institutos novos que não sabemos exatamente como vão influenciar no dia a dia forense. Por exemplo, os prazos todos, apesar de estar motivado em imprimir maior celeridade no processo, todos os prazos foram aumentados: antes tínhamos prazos que eram contados em dias corridos, agora temos prazos contados em dias úteis, o que dificulta até o próprio servidor na contagem

Repórter Rio: Deixando claro que quem entrar na Justiça agora, com o novo Código, vai ter de esperar a realização dos antigos processos.

Leonardo Castro: Não, os processos andam de maneira paralela, na verdade. Vamos ter alguns casos em que teremos de aplicar a lei antiga, mas no desenvolver do processo a lei nova necessariamente será aplicada. Conforme vai-se encerrando uma fase no processo, já passa a incidir a lei nova.

Vai ser bastante complicado. Inclusive o Código traz um novo instituto, do negócio processual, em que as partes podem estabelecer o rito do processo: eles negociam o rito e vai valer para aquele processo. Imagine uma vara com 5 mil, às vezes 8 mil processos, se cada processo tiver um rito diferente. Ou seja, para a administração da Justiça, a visão de nós, juízes, é de que vai ser mais complicado do que está aí [hoje].

Repórter Rio: Gostaria que o senhor desse um exemplo de um processo que pode andar mais rápido com base nessa nova regra.

Leonardo Castro: É difícil… Ele estabelece uma audiência preliminar de mediação em todos os casos. O instituto da mediação é interessantíssimo, mas funciona melhor fora  do âmbito judicial, porque quando vão para o âmbito judicial, já vão com a faca nos dentes, já contrataram advogado, e nossos advogados -0 esse é um problema hoje no Brasil – não são formados para conciliar, mediar, e sim para brigar, formados no contencioso.

Repórter Rio: A figura do mediador ganha importância?

Leonardo Castro: Ganha importância, sim, só não sabemos se isso vai alterar a prática forense atual, onde os índices de acordos são relativamente baixos em relação a outros países onde a mediação é feita extra-judicialmente.

Hoje demos um passo no escuro. Estamos, inclusive, chamando esse novo código de “Bug do Milênio”, porque não sabemos exatamente o que vai acontecer daqui para a frente.  Temos uma visão pessimista por conta de diversas formalidades que criaram. Abalaram o sistema de preclusão: reduziram os recursos, mas não quer dizer que as decisões não sejam recorríveis. Vão ser recorríveis, num passo lá adiante. Antigamente dizíamos que o processo era um caminhar para a frente, a partir do momento em que não havia recurso contra a decisão, ela se tornava imutável. Agora não, podemos chegar lá na frente e aquela decisão tomada lá atrás ser revista no âmbito da apelação, e o processo ter de andar para trás.