Notícias | 29 de junho de 2011 15:12

Nova lei divide opiniões

A Lei Federal nº 12.403/11, que muda os critérios para decretação da prisão preventiva, entra em vigor na próxima segunda-feira e, desde sancionada, divide opiniões. Dados do Ministério da Justiça mostram que, entre 2005 e 2010, o número de presos provisórios no Brasil aumentou cerca de 81%. No DF, nesse mesmo período, o acréscimo foi de 35%. Especialistas temem que a nova lei eleve a sensação de impunidade e interfira no trabalho da polícia, em função de os suspeitos responderem aos crimes em liberdade. Isso resultaria na redução das prisões provisórias. Em contrapartida, juristas avaliam que a lei é vantajosa, pois alivia a superlotação dos presídios. Pessoas com processos transitados em julgado, no entanto, não são abraçadas pela lei.

“É complicado fazer investigações para prender alguma pessoa que tenha cometido um furto simples, por exemplo, sabendo que ela não vai ficar presa”, afirma o desembargador aposentado e advogado criminalista Edson Alfredo Smaniotto, ao se referir ao trabalho das polícias Militar e Civil. Dentre as mudanças previstas na lei, o desembargador questiona a eficácia das medidas cautelares. “É possível vigiar se uma pessoa está frequentando um lugar proibido? Quem confere se a pessoa está em casa ou não? A sociedade vai ficar desprotegida”, argumenta Edson Smaniotto.

Para o desembargador, as mudanças na redação surpreendem a sociedade de forma negativa e “só beneficiam o réu”. Segundo ele, a sensação de impunidade vai aumentar em meio à população. Smaniotto acredita ainda que os índices de criminalidade podem sofrer elevação. “As pessoas que estão entrando no mundo do crime começam cometendo delitos pequenos, que, com a nova lei, não são punidos rigorosamente. Então, passam aos mais graves”, explica.

Favorável às mudanças, o advogado criminalista e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil no DF, Eduardo Toledo, acredita que o prazo do julgamento de processos será prolongado. “Vai haver um relaxamento natural, já que o magistrado não precisará cumprir prazos, uma vez que a pessoa não estará mais presa. Por exemplo, se hoje são necessários 100 dias para um julgamento, esse prazo irá passar para 150. Mas a demora não é significativa comparada ao ganho social e ao direito de ampla defesa”, expõe. “Hoje, temos mais pessoas em prisão cautelar do que em execução de pena, o que demonstra distorções no sistema. A lei 12.403 vem para corrigir isso”, justifica Toledo.

O deputado distrital e ex-presidente do Sindicato dos Policiais Civis do DF Welligton Luiz (PSC) se diz preocupado com as consequências trazidas pela nova lei. “O Estado pode estar dando um tiro no pé. A mudança pode gerar um desestímulo na polícia, principalmente em outros estado brasileiros, onde os profissionais não são tão bem remunerados como no DF”, avalia. “Haverá a prisão, aquela pessoa irá para a delegacia, mas não ficará presa. O sujeito oferece risco para a sociedade e continuará inserido nela. Além do desestímulo, aumentaremos a sensação de impunidade e a redução das prisões provisórias. É claro que temos que arranjar mecanismos para desafogar o sistema penitenciário, mas não sei se essa é a melhor opção”, reforça o distrital.

Dados

Mês/Ano – Número de presos provisórios – Variação

Dezembro de 2005 – 1.373

Dezembro de 2010 – 1.849 – 35%

Presos provisórios no Brasil (dezembro de 2005 a dezembro de 2010)

Mês/Ano – Número de presos provisórios – Variação

Dezembro de 2005 – 91.317

Dezembro de 2010 – 164.683 – 80,6%

Fonte: Ministério da Justiça

Ponto crítico

A lei nº 12.403/11 traz benefícios?

SIM

» Carlos André Bindá Praxedes

Professor de direito penal e processual penal da Universidade Católica de Brasília (UCB), defensor público do Distrito Federal, com atuação no Tribunal do Júri do Gama

“A proximidade da vigência da Lei 12.403/11 é algo assustador e pouco compreensível para a maioria da população, alheia ao funcionamento do sistema jurídico brasileiro. No entanto, é preciso dizer que a lei em comento, além de compatível com um país possuidor de uma constituição democrática e que almeja ocupar um assento como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, é necessária para corrigir as históricas deformações no execrável sistema prisional brasileiro. A nova lei deixa expressa a subsidiariedade da prisão preventiva, largamente utilizada pelo Judiciário, mas em total descompasso com os valores axiomáticos da Constituição da República, que impõem a liberdade como princípio fundamental dentro da Ordem Jurídica pátria, sendo a prisão uma medida excepcional que, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, deve ser utilizada somente nas hipóteses absolutamente necessárias. Noutra senda, a nova legislação oferece ao juiz um elenco de medidas cautelares, que devem ser prioritariamente decretadas em substituição à odiosa prisão preventiva.”

NÃO

» Haílton da Silva Cunha

Delegado-chefe da 24ª Delegacia de Polícia, no Setor O, e professor de direito penal e processual penal da Universidade Católica de Brasília (UCB)

“Sob o argumento de ser ‘moderna’, a lei nº 12.403 poderá contribuir para aumentar ainda mais o sentimento de impunidade já tão difundido na sociedade. Em relação à prisão preventiva, a novel legis dificultou a sua decretação, já que, inicialmente, o magistrado deverá analisar se estão presentes os requisitos e pressupostos da prisão preventiva elencados nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. E, no caso concreto, verificar se é possível a determinação de outra medida cautelar diversa da prisão preventiva, tais como proibição de manter contato com pessoa determinada ou proibição de ausentar-se da comarca.

Outrossim, a autoridade policial, segundo o artigo 322 da lei, poderá conceder fiança entre um e 100 salários mínimos nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos, excetuando-se as vedações constitucionais. Como resultado, o criminoso poderá não passar sequer uma noite preso e sairá livre se pagar fiança que se inicia em um salário mínimo. Verificamos, pois, que infelizmente, a tendência é de que a sensação de impunidade e insegurança aumente.”

Mudanças

Art. 289

Como era:

Quando o réu se encontrava em território nacional, fora da jurisdição do juiz processante, o magistrado só podia requerer a prisão por meio de telegrama.

Como ficou:

O juiz pode pedir a prisão por qualquer meio de comunicação, com o motivo da prisão e com o valor da fiança, caso o delito seja afiançável. Após a prisão, o juiz deve providenciar a transferência do réu em até 30 dias.

Art. 310

Como era:

Quando recebia o auto de prisão em flagrante, o juiz podia apenas, após ouvir o Ministério Público, conceder liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Como ficou:

Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz poderá: relaxar a prisão ilegal; converter a prisão em flagrante em preventiva; conceder liberdade provisória com ou sem fiança.

Art. 313

Como era:

A decretação da prisão preventiva era admitida para todos os crimes punidos com reclusão ou com detenção, ou havendo dúvida sobre a identidade do réu.

Como ficou:

Só será admitida a decretação da prisão preventiva para crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos.

Art. 322

Como era:

A autoridade policial concedia fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples.

Como ficou:

A autoridade policial só poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 anos.

Art. 325

Como era:

A fiança era fixada com valores de um a 20 salários mínimos, dependendo da pena privativa de liberdade do crime cometido.

Como ficou:

A fiança varia de um a 200 salários mínimos. Dependendo da situação econômica do preso, o valor pode ser reduzido em até dois terços ou aumentada em mil vezes.

Um olhar diferente do juiz

Hoje, existem 1.180 presos em caráter provisório no DF. Desse total, 334 foram detidos preventivamente por cometerem crimes de até quatro anos de reclusão, segundo o sistema penitenciário. A partir da mudança na legislação, defensores públicos e advogados não precisarão mais fazer pedido formal de liberdade provisória do réu ao juiz. O magistrado decidirá sobre a liberação, ou não, assim que receber o flagrante. “O olhar do juiz precisará mudar. Em um primeiro momento, ele terá que observar com mais carinho e atenção o processo”, pondera a defensora pública Ana Luiza Pontier, da 2ª Vara Criminal do DF. “As pessoas estão achando que é abrir a porta e sair todo mundo. Não é isso que irá acontecer. Estão fazendo muito alarde em relação a uma coisa que já vinha acontecendo”, conclui.

Para o advogado e conselheiro da OAB Antônio Alberto do Vale Cerqueira, a nova lei é válida, mas não traz novidade, em função de apenas ratificar a redação da Constituição Federal. “A medida é vantajosa se olharmos profundamente. Trazemos essas pessoas, que ainda não foram condenadas, para o convívio social e as tiramos do crime, porque é essa é a função das nossas penitenciárias: fomentar a criminalidade”, afirma. “Não existe uma fórmula perfeita. Dos 100 mil que podem ser soltos no Brasil, 1% a 2% com certeza irão delinquir novamente, mas temos que lançar o olhar para os demais. Será um ganho”, garante.

Fonte: Correio Braziliense