Notícias | 18 de agosto de 2014 12:32

Não existe lei alguma

* João Batista Damasceno

As leis e as instituições são o que as pessoas fazem delas na prática. Pouco importa o que esteja nos papéis. Consumado o golpe de 7 de abril de 1831, que depôs D. Pedro I, no mesmo ano foi editada a Lei Feijó, visando a demonstrar à Coroa Britânica que o Brasil estava comprometido com a extinção do comércio internacional de escravos. Foi uma lei ‘para inglês ver’ sem eficácia ou intervenção na realidade. Daí a expressão. Fazendeiros e seus representantes no Parlamento, bem como autoridades que compunham suas famílias, não tinham interesse no seu cumprimento. A escravidão no Brasil durou até 1888, quando os ‘libertos’ foram expulsos das fazendas e entregues à própria sorte.

O Brasil neste período tinha promotores de justiça. Mas não tinha a instituição do Ministério Público. Alguns promotores perderam a vida na defesa dos interesses dos excluídos, dentre os quais Ferreira Barbosa, sobre quem escreveu Machado de Assis. A criação do MP é obra de Campos Sales, presidente da República que institucionalizou o pacto coronelista revigorador do mando local, desde que conveniente aos interesses do poder central. As instituições jurídicas na Primeira República eram um braço do poder dos coronéis; a polícia e as milícias, o outro, o braço forte.

As instituições ganharam novas feições ao longo do tempo. O Judiciário de hoje tem a estrutura dada pelo Pacote de Abril do governo Geisel, que fechou o Congresso em 1977 e editou emenda lhe atribuindo o formato mantido após a Redemocratização. O MP, com a Constituição de 1988, ganhou novo formato e para isto contribuiu a atuação, na Constituinte, de Sepúlveda Pertence, promotor de justiça cassado no AI-5. Ao MP foram atribuídas novas funções; deixou de ser meramente acusatório e lhe foi estendida a defesa dos interesses sociais, dentre os quais o direito à liberdade.

No Rio, procurador de justiça Francisco Eduardo Nabuco opinou pela concessão de habeas corpus a ativistas que haviam sido presos para que não cometessem, no futuro, crime de dano. A pena é de um a seis meses, e mesmo a condenação mais gravosa não comporta privação de liberdade.
Foi um promotor de justiça de Nova York quem defendeu a liberdade do diplomata francês Dominique Strauss-Kahn, quando sequer seus advogados sabiam da prova que o inocentava. Dominique era o principal adversário do presidente francês Nicolas Sarkozy, e foi vislumbrada conotação política em sua prisão nos EUA.

Instituições podem ser acusatórias e encarceradoras ou garantidoras de direitos, dependendo do modo como atuam seus agentes; podem ser imprescindíveis à liberdade ou inúteis a ela. Não há direito se não houver quem os queira assegurar; não há lei alguma senão houver quem as queira cumprir.

João Batista Damasceno
Doutor em Ciência Política pela UFF e é juiz de Direito

Fonte: O Dia