Aprovado pelo Congresso e com previsão de ser sancionado até a próxima semana, o novo Código de Processo Civil promete simplificar e agilizar o andamento de processos civis. Em entrevista ao GLOBO, o ministro Luiz Fux, do STF, que conduziu a comissão de juristas que reformulou a lei, diz que “recursos infindáveis geram a prestação de Justiça infindável”. As novas regras entram em vigor em um ano.
Leia a íntegra da entrevista:
Qual o ponto mais importante do novo Código de Processo Civil?
Ele torna realidade a promessa constitucional da duração razoável dos processos. Todas as declarações fundamentais do direito do homem entendem que um país cuja Justiça não se desempenha em prazo razoável tem uma Justiça inacessível. Esse foi o ideário do novo código: criar instrumentos capazes de eliminar obstáculos que impediam a Justiça de dar resposta em prazo razoável.
O que impede a Justiça de prestar um serviço ágil?
Os processos demoram mais de um decênio para terminar. Detectamos três grandes fatores determinantes. O primeiro é o excesso de formalismos do processo civil brasileiro. Há muitas formalidades que impedem o juiz de proferir um julgamento mais rápido. Não pode suprimir etapas, sob pena de violar a garantia do devido processo legal. O novo código sinaliza para o juiz que, mais importante do que acolher uma questão formal, é julgar a questão de fundo. É mais importante resolver um problema do que acolher uma questão formal.
Qual o segundo problema?
O excesso de recursos. Isso impede que a solução final advenha rápido. É um número infindável de recursos. O novo código trouxe uma diminuição expressiva de recursos, na medida em que eliminamos o cabimento dos embargos infringentes. Em segundo lugar, limitamos o cabimento de embargos de instrumento, um recurso cabível de cada decisão tomada pelo juiz no processo. Pegamos por amostragem um processo com cinco decisões. Delas, foram extraídos 25 recursos. Qual o país do mundo que consegue oferecer uma prestação de Justiça razoável, se, na primeira instância, há 25 impugnações?
Eliminando esses recursos, a pessoa não ficaria prejudicada?
Não, porque a tendência mundial é que o cidadão se contente com um pronunciamento judicial. No máximo dois, porque a segunda reflexão pode conduzir a uma conclusão mais exata. Com os recursos, em número razoável, você apura a qualidade da decisão. Mas recursos infindáveis geram a prestação de Justiça infindável também. Justiça demorada é Justiça denegada.
Quantos recursos foram mantidos?
A regra é caber um recurso único no final da causa. A pessoa pode manifestar todas as suas irresignações. Mas, se a parte vencer, vai pensar: a sentença é boa para mim, por que vou reavivar uma questão que não vai me levar a nada?
E o fim dos embargos infringentes?
Eles eram cabíveis com base em um voto único vencido. Só o Brasil tem esse recurso. Nenhum outro sistema judicial contempla a possibilidade de você virar o jogo com base em um voto vencido. Acabou isso. Economizamos mais de um ano, ou anos.
O código traz outras formas de impedir a proposição de recursos?
O código prevê a sucumbência recursal. Ou seja, quando você perde uma ação, você paga custas e honorários. Os recursos no Brasil são muito facilitários, porque as despesas são muito reduzidas. Agora, quando a parte perder a ação e insistir no recurso, sofre sucumbência recursal também. Ela paga custas e honorários na primeira instância e, se perder, paga de novo na segunda. É para evitar que a parte fique recorrendo para prolongar a relação processual. A parte mais sensível é o bolso.
Como evitar que haja decisões diferentes para processos semelhantes?
É obrigatória a obediência à jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal. Se não houver jurisprudência do Supremo, vale a do Superior Tribunal de Justiça (STJ). E os juízes locais vão obedecer à jurisprudência do tribunal local, se ela não se contrapuser à jurisprudência dos tribunais superiores.
Não limita o poder de decisão?
Não, porque juízes não podem dar para questões iguais soluções diferentes. Viola o princípio da igualdade.
Qual o terceiro fator de demora dos julgamentos no país?
A litigiosidade desenfreada que se iniciou no Brasil na década de 1970. O Conselho Nacional de Justiça detectou que, em média, a cada dois brasileiros, um litiga em juízo. Temos inúmeras ações sobre caderneta de poupança, índices econômicos e outras teses jurídicas iguais. Todo mundo briga pela mesma coisa, cada um em seu estado. Tínhamos que criar um instrumento capaz de, para essas causas com a mesma tese jurídica, dar solução igual. Quando a mesma tese jurídica recebe soluções diversas de outros juízos, isso desprestigia o Judiciário. As pessoas não conseguem conceber como a mesma tese recebeu soluções diferentes.
Como decidir da mesma forma milhares de ações semelhantes?
Criamos o incidente de resolução de demandas repetitivas, menina dos olhos do código. O juiz verifica que há várias causas repetidas sobre um tema e comunica o tribunal. Depois, o tribunal julga uma das ações e fixa uma tese jurídica, que vai nortear os demais casos. Dessa decisão cabe recurso para o STJ ou para o STF, dependendo se a matéria for constitucional ou não. Os tribunais superiores têm poder de determinar a paralisação dessas causas em todo o território nacional para que, terminado aquele processo, aquela tese seja obrigatoriamente introduzida nas causas individuais.
Há o risco de o novo código reduzir o juiz da primeira instância a mero repetidor da jurisprudência de outros tribunais?
Não, porque não tem jurisprudência para tudo. O Brasil tem praticamente 13 mil leis federais. As súmulas são 700. Se você contar os artigos e incisos das leis, são mais de 100 mil dispositivos legais. Não engessa nada.
Pelo novo código, o juiz precisa tentar uma conciliação entre as partes antes dos julgamentos. Qual o benefício da medida?
Isso também contribui para a duração mais rápida dos processos. Se você inaugura o processo com uma conciliação, o cidadão ainda não gastou dinheiro nem se desgastou tanto emocionalmente. A conciliação obtém um resultado sociológico muito mais eficiente do que a resposta judicial. Esse novo código tem um ideário que aproxima muito a Justiça dos valores éticos e morais.
O novo código obriga os juízes a julgar os processos em ordem cronológica de chegada ao tribunal?
Se você entrou com um processo antes, ele não pode ser julgado depois que o processo que entrou depois. Há exceções, como habeas corpus.
Fonte: O Globo