* Andréa Pachá
Não é o casamento, nem as famílias tradicionais, que garante a formação de cidadãos mais bem preparados para enfrentar a vida, como sugere Carlos Alberto Di Franco, em artigo publicado no GLOBO, no último dia 5.
No Brasil, segundo o IBGE, 28,6 milhões de famílias não se inserem no perfil clássico e superam o modelo tradicional de pai, mãe e filhos, unidos pelo matrimônio. São homens e mulheres vivendo sozinhos, casais homoafetivos, irmãos, avós com netos, conviventes, enfim, conformações tão múltiplas quanto devem ser múltiplos os direitos que as amparem.
Discutir que tipo de família deve prevalecer na sociedade é uma pauta relevante que esteve presente durante todo o recente processo eleitoral. Afinal, é no ambiente familiar que as crianças têm a primeira experiência do coletivo e dali se espera que valores de humanidade e ética sejam inicialmente assimilados.
O modelo de família decorre da cultura, e não de algum processo natural. As profundas transformações sociais, especialmente nas duas últimas décadas, têm exigido do Judiciário soluções centradas na socioafetividade, no cuidado e na responsabilidade. Assim é que a guarda compartilhada, os direitos dos companheiros e a adoção por casais homoafetivos vêm sendo decididos pela Justiça, antes de alguma regulação legislativa.
A ordem constitucional vigente não é excludente e cabe ao Estado garantir, qualquer que seja o modelo familiar, que os vínculos entre os integrantes se desenvolvam da melhor maneira, protegendo os vulneráveis , especialmente o direito das famílias que ainda se encontram à margem da proteção estatal.
É verdade que crianças sem limites, que vivem em ambiente que privilegia o dinheiro e o poder, tendem a se transformar em adultos egoístas e voluntariosos, mas isso independe do tipo de arranjo familiar, sejam os pais heterossexuais, casados ou não. É bom lembrar, que o modelo tradicional de família, hierarquizado, patriarcal e autoritário foi, durante muitos anos, responsável pela violência silenciosa e pela submissão opressora que moldou gerações de pessoas.
É importante que os pais compreendam que o processo de formação de um ser humano exige mais do que boas intenções. É sua tarefa garantir aos filhos o acesso à educação, à vida em grupo, respeitar as individualidades e as escolhas, mesmo que distantes das nossas idealizações. Cabe-lhes também orientar no estabelecimento de limites que os façam compreender a importância do respeito pelo outro. Pais devem ainda estar preparados para lidar com as próprias certezas quando confrontadas pelos filhos. Ações e exemplos cotidianos são muito mais eficazes para a boa formação dos filhos do que acreditar que a simples adoção de um modelo fechado de relacionamento seja capaz de promover.
Adaptando-se às permanentes transformações e assimilando os valores de liberdade e cuidado, as novas famílias, certamente formarão novos cidadãos capazes de viver coletivamente de forma mais generosa, afetiva e plural, como deve ser a própria sociedade.
Andréa Pachá é juíza e diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família
Fonte: O Globo