Três dias de incertezas a 7.000 km de distância da terra natal, em plena pandemia da Covid-19. Ao chegar no Brasil, a recepção: o descaso das autoridades aeroportuárias. Este o desfecho da viagem que a desembargadora Eunice Caldas, de 78 anos, fez pelo Marrocos.
Ela estava excursionava em um grupo de idosos no Marrocos quando a doença se alastrou com rapidez por países da Europa, especialmente os banhados pelo Mar Mediterrâneo, como Itália e Espanha. O mesmo mar da costa marroquina.
A viagem estava programada desde agosto de 2019, meses antes dos primeiros registros na China, país mais populoso do mundo. “Era a primeira vez que ia ao Marrocos. A viagem seria entre 6 e 23 de março. Mesmo com o que havia na China, não pensamos que o vírus se espalharia de forma tão veloz pelo mundo”, contou a desembargadora.
O grupo formado por sete mulheres e um homem – incluindo Andreia Oliveira, dona da agência de viagens especializada em roteiros para a terceira idade -, saiu do Rio de Janeiro no último dia 6 pela companhia Royal Air Maroc. O roteiro incluía visitas a locais históricos.
“Dormimos uma noite em tendas no deserto, visitamos medinas nas cidades. Estava sendo uma viagem muito agradável até o dia 18”, relatou.
Foi quando chegaram a Marrakesh, quarta maior cidade do país do Norte da África, que o rei Maomé 6º suspendeu todos os embarques e desembarques e determinou o fechamento de hotéis e demais estabelecimentos na tentativa de conter a expansão do coronavírus no país. O grupo ficaria no hotel até o dia 20. Os brasileiros eram os únicos a permanecer no espaço, que fecharia após o fim da reserva.
Com a viagem suspensa, o plano era retornar para o Brasil – mas a companhia aérea cancelou o voo. Além da tensão de não saber quando voltariam, outra preocupação era a quantidade limitada de remédios – que acabaria em poucos dias.
Em entrevista ao jornal “O Globo”, publicada no dia 19, Eunice disse: “O problema dos medicamentos é que você leva alguns imaginando que vai ficar um determinado tempo. Os meus vão acabar daqui a três dias. O lugar de se medicar é a sua casa, onde você está bem e segura”.
Retorno para casa
A agente de turismo contatou a embaixada brasileira em Rabat, capital do Marrocos, em busca de uma solução para o impasse. Mais 120 brasileiros estavam na mesma situação. Após a ação do pessoal da embaixada, os brasileiros conseguiram retornar ao país em um voo fretado pela RecordTV. Cerca de 70 técnicos e atores, contratados pela emissora, filmavam em Ouarzazate, cidade ao sul do Marrocos. Na ocasião, já aguardavam em Marrakesh a volta ao Brasil.
“Saímos do hotel em que estávamos e fomos para onde a equipe da emissora se hospedava. Tínhamos um guia turístico local que se despediu após nos deixar, por medo de não conseguir retornar para casa. Encontramos a mesma situação do anterior: o hotel não tinha alimentação. Então, comemos o que conseguimos comprar em mercados próximos. Para ir ao aeroporto, às 4h30 do dia 21, a embaixada forneceu um micro-ônibus”, contou ela.
No aeroporto, mais espera: os brasileiros ficaram das 11h30 às 14h30 dentro da aeronave, que estava sem combustível. Após o abastecimento, o voo seguiu para o Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), o maior do país. “Descemos, passamos e não vi nada. Não havia barreira, testes ou recomendações aos passageiros que chegaram”, lamentou a desembargadora, que preside a Abaterj (Associação Beneficente dos Amigos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro).
Leia também: Para Rosa Weber, adiamento da eleição é ‘debate precoce’
Innovare inscreve até 12 de abril na categoria Gestão Judiciária
Presidente do TJ-RJ cancela a possível libertação de presos idosos
Em São Paulo, mais um empecilho. Com o fechamento das divisas do Rio de Janeiro, o grupo não conseguiria voltar ao estado. A viação 1001 acabou cedendo um ônibus para que os excursionistas pudessem voltar para casa. Segundo a desembargadora, a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) conseguiu a permissão para que saíssem de São Paulo e ingressassem no Rio.
Somente na Rodoviária Novo Rio o grupo foi recebido por agentes da Secretaria de Saúde, que testaram as pessoas para verificar se havia contaminação por coronavírus e as instruíram para os procedimentos de quarentena. “Estou em casa, no Rio, dentro do meu quarto, sem contato com ninguém desde que cheguei. Farei os 14 dias de isolamento, por ter vindo do exterior e ter passado por aeroportos”.
“Foram três dias extenuantes, em que não sabíamos quando iríamos voltar. Embora mantivéssemos o equilíbrio, sempre havia uma dúvida. Neste período, recebi muitas mensagens de apoio de colegas e entidades da magistratura, como AMAERJ, IMB, AMB. Agora estamos em casa e é hora de nos cuidar e respeitar a quarentena”, finalizou ela, acrescentando não sentir sintomas característicos do coronavírus.