Notícias | 08 de julho de 2013 14:25

Especialistas consideram populista proposta que torna corrupção crime hediondo

Apoiada pela presidente Dilma Rousseff e aprovada com alarde pelo Senado, a proposta de uma lei que torna a corrupção crime hediondo é severamente criticada por juristas e especialistas no combate aos crimes de colarinho branco. A medida ganhou força com os protestos que tomaram as ruas do país, mas os juristas a consideram “populista” e “inócua”. Além do projeto de lei do senador Pedro Taques (PDT-MT), que tramita no Senado, na semana passada a Câmara dos Deputados aprovou a votação em urgência de um projeto de lei, proposto pelo governo em 2009, que também rotula a corrupção como hedionda e aumenta as penas para esse tipo de crime.

— É uma medida de populismo penal. Dá uma certa satisfação à opinião pública, mas é pura ilusão — avalia o chefe do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), Renato de Mello Jorge Silveira.

Silveira coordena um grupo de estudos sobre a corrupção na USP e, em sua avaliação, “os instrumentos de controle são melhores que a punição”. Para ele, seria muito mais eficaz também que os processos que envolvem esses crimes ganhassem celeridade e que fosse cumprida a Meta 18 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que pede aos tribunais que julguem todos os casos abertos até 2011 ainda este ano.

O jurista diz ainda que a transformação dos crimes de homicídio qualificado, estupro e sequestro, entre outros, nos anos 90, não resultou na diminuição dos casos.

— Não é estabelecendo uma classificação mais dura que se resolve. E de que corrupção essa lei vai tratar? A da grande corrupção ou aquela inerente ao chamado “jeitinho brasileiro”? Vai se estabelecer um valor para a grande corrupção? — questiona Silveira.

Pelo projeto de lei do Senado, os crimes de corrupção ativa e passiva, além de outros contra a administração pública, teriam suas penas mínimas (de um e dois anos) duplicadas. Com isso, a possibilidade de o condenado ir, efetivamente, para a prisão, seria maior. Já pelo projeto que tramita na Câmara, alguns desses crimes teriam sua pena máxima, de 12 anos, ampliada para 16 anos.

‘Demagógica e antijurídica’

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Nelson Calandra, concorda com Silveira:

— O hediondo deve ser reservado à grave lesão dos direitos humanos. Muitas leis feitas sob o rufar de tambores não atingem a finalidade para a qual foram criadas.

Para Calandra, em vez de fazer leis desse tipo, o Congresso deveria votar com rapidez a Proposta de Emenda Constitucional 15, conhecida como PEC dos recursos. Por ela, os réus condenados por crimes graves são obrigados a começar a cumprir suas penas a partir das decisões colegiadas ou de segunda instância e não só depois de todos os recursos serem julgados, o que se arrasta por anos.

O criminalista Técio Lins e Silva é ainda mais rigoroso com as propostas de mudança na Lei dos Crimes Hediondos (8.072/90). Para ele, a medida é “demagógica, antissocial e antijurídica”:

— Hediondos são os senadores que aprovaram essa lei. Isso é surfar na onda das manifestações, querendo usar o Código Penal de prancha. O que combate a corrupção é a mudança de práticas, o controle adequado e políticas públicas que não transijam com a malandragem.

O constitucionalista André Ramos Tavares (docente da USP, PUC-SP e Mackenzie) afirma que a mudança é inócua para a solução do problema:

— Temos um sistema recursal muito grande, com muitas brechas que permitem ao réu protelar ao máximo a sentença e o cumprimento da pena.

O tema também poderá ser questionado do ponto de vista constitucional porque a lei não pode ser desproporcional, dando caráter de hediondo, por exemplo, ao caso de um guarda que recebe propina para liberar um carro de uma multa ou nas situações de excesso de exação (abuso na cobrança de tributos). Questionado se deveria, então, se estabelecer um piso de corrupção para que o crime seja considerado hediondo, o jurista questionou:

— Criaríamos uma espécie de taxa de moralidade?

Claudio Abramo, diretor da Transparência Brasil, considera a proposta de mudança “absurda”:

— Embora a corrupção seja um crime sério, não pode ser comparada ao estupro de uma criança ou a um genocídio. E o pior: você pode aumentar as penas, mas de nada adiantará se as pessoas não forem punidas.

Para ele, o que garante o combate à corrupção, além dos mecanismo de controle e a mudança do sistema administrativo, é a celeridade e a garantia de julgamento dos réus:

— Não é o tamanho da pena que faz o sujeito recuar. É o aumento do risco de ser julgado e ter, de fato, de cumprir pena.

Fonte: O Globo