Notícias | 16 de novembro de 2011 14:40

Entrevista: Ministro Luiz Fux, o senhor da Lei da Ficha Limpa no STF

Primeiro ministro indicado pela presidente Dilma Rousseff para o Supremo Tribunal Federal e relator da Lei da Ficha Limpa, Luiz Fux afirmou, em entrevista exclusiva ao Correio, que não há o risco de existir empate no julgamento sobre a validade da norma para as eleições de 2012. Foi também enfático ao garantir que o Supremo não irá reduzir os poderes do órgão responsável pelo controle externo do Poder Judiciário. “O que o STF vai fazer é conciliar os poderes do CNJ com as responsabilidades das corregedorias dos tribunais.”

Ele negou que o julgamento do mensalão possa ser contaminado pelo ano eleitoral. Defendeu que o Judiciário faça uma autocrítica institucional para tornar-se mais transparente e criticou os estudantes que invadiram a reitoria da USP. “No meu tempo de estudante, a gente apanhava de cara limpa.”

No campo pessoal, aposta que seu time, o Fluminense, é clube de chegada. Músico e cantor nas horas vagas, gaba-se de ser amigo de Zeca Pagodinho e Michael Sullivan. Fux também atribui à prática do jiu-jítsu sua calma e concentração para tomar decisões importantes no dia a dia. Leia os principais trechos da entrevista:

Qual a importância de aprovar a Lei da Ficha Limpa?

É o início da reforma política. Com ela, serão banidas do meio político as pessoas que não têm aptidão para representar o povo.

Por que a renúncia antes da abertura do processo de cassação pode livrar o político da inelegibilidade?

A lei trouxe a novidade de que uma simples petição de um eventual inimigo político é capaz de gerar a inelegibilidade em caso de renúncia. Isso é um excesso.

Mas isso não abre brecha para a renúncia com o objetivo de manter os direitos políticos?

Desde que a petição não resulte na instauração do processo de cassação. Se dessa petição resultar um processo, aí essa renúncia será considerada sem validade.

Em três ocasiões anteriores houve empate em julgamentos sobre a Lei da Ficha Limpa.

Eu arrisco um palpite: não haverá empate nessa votação com o quórum que está (de 10 ministros).

O ministro Joaquim Barbosa chegou a dizer que vai esperar a chegada da nova ministra, Rosa Weber.

Acredito que ele não vá esperar. Mudanças na legislação eleitoral precisam ser feitas com mais ou menos um ano de antecedência para que o pleito se realize com previsibilidade. Acredito que votaremos até o fim do ano.

Qual o poder de influência das manifestações contra a corrupção no julgamento do STF?

A opinião pública não pode pautar o Supremo, porque senão teríamos que ter uma Constituição ao sabor da população. Mas há uma percepção moderna de que a jurisdição constitucional se legitima democraticamente quando ela está num limite de consonância com a expectativa popular.

O mensalão será um divisor de águas para o Supremo?

A própria imprensa catalogou-o como emblemático. Mas há critérios diferentes no momento do recebimento da denúncia e no momento da ponderação. Juiz com vocação para esse sacerdócio não condena inocente nem absolve culpado.

O peso do ano eleitoral pode contaminar de alguma forma o julgamento?

De forma alguma. Se alguém tiver de ser condenado, vai ser condenado.

Há um excesso de poder concentrado nas mãos do Conselho Nacional de Justiça?

O ponto central é a autonomia que a Constituição dá aos tribunais e o poder importantíssimo que o CNJ tem em prol da purificação do Poder Judiciário. Há uma premissa fundamental: o Supremo não pode diminuir os poderes do CNJ e não vai caminhar nessa linha. O que o STF vai fazer é conciliar os poderes do CNJ com as responsabilidades das corregedorias dos tribunais. O CNJ deve ter o poder de punir as corregedorias que se revelarem inertes na apuração dos fatos.

O Judiciário é o menos transparente dos Três Poderes?

Cada vez mais a transparência deve ser uma regra na atividade do homem público.

São críticas infundadas?

Acho que há exageros. Mas temos que fazer uma autocrítica institucional. Acho que todo tribunal deveria ter um porta-voz, especializado em esclarecer o alcance das decisões.

Em que casos esse porta-voz poderia ser necessário?

Um exemplo claro é a Marcha da Maconha. Não é um movimento para que as pessoas se reúnam para fumar maconha, ou para incitar as outras a fumar. É um movimento que consubstancia liberdade de reunião para gerar uma liberdade de expressão e pensamento.

Há quem critique a prisão de alunos no câmpus da USP com a justificativa de que o STF liberou a Marcha da Maconha.

Eles cometeram um crime. É crime você entrar na casa dos outros e dizer que não vai sair. Eu tenho a impressão de que algumas daquelas pessoas não eram estudantes, porque usaram a estratégia de bandido de cobrir o rosto puxando a camisa. Eu fui estudante, a gente apanhava de cara limpa mesmo.

As últimas decisões do STF, como a marcha da maconha e a união homoafetiva, mostram um Supremo mais voltado para o dia a dia das pessoas. É uma mudança definitiva?

Existe hoje um maior acesso à Justiça por conta da exacerbação do sentido de cidadania. O que há de peculiar no Brasil é que o Judiciário não pode deixar de dar uma resposta a quem ingressa com pedido baseado na Constituição Federal.

Essa profusão de escândalos de corrupção no país é sinal de instabilidade ou de maturidade das instituições brasileiras?

As duas coisas. Costumo usar uma frase que sintetiza muito bem isso: “O Brasil nunca mais vai voltar a ser o que era”. A consciência da cidadania hoje repudia qualquer ato de atentado contra a República. Esse movimento está levando o país a alcançar um patamar de legitimidade no plano internacional absolutamente magníficos.

Os corruptos reclamam da perseguição da imprensa.

O melhor controle de todas as instituições é o controle social promovido pela mídia.

No Brasil, ainda se apura muito e se prende pouco. Por quê?

É preciso que primeiro se apure para depois se condenar. Há aqui (no Brasil) uma inversão desse binômio. As pessoas reclamam já concluindo sobre aquilo que elas estão apontando. Muitas vezes têm razão, muitas vezes não. Uma pessoa condenada pela imprensa não consegue se reabilitar.

Os juízes estão imunes a falhas e pressões?

Estamos verificando hoje uma juvenilização da magistratura. Há uma grande opção do jovem bacharel em sair da faculdade e fazer um concurso para magistrado. E algumas profissões exigem amadurecimento técnico e emocional. E é esse amadurecimento emocional que permite ao magistrado enfrentar essa pressão prematura que ocorre em alguns casos.

Como se defender dessa pressão?

Tem uma frase que me toca profundamente: “A magistratura é o mais alto apostolado ao qual um homem pode se dedicar”. Isso nos humaniza. O juiz tem que saber que é a última lufada de esperança para aqueles que estão se sentindo injustiçados.

Fonte: Correio Braziliense