* Jota
Juristas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro escreveram carta defendendo a eventual transferência da Faculdade de Direito para palácio histórico do Tribunal de Justiça do Estado como forma de recuperar a imagem da instituição, que vive crise sem precedentes. A ideia é ter instalações mais modernas e equipadas com o objetivo de dar condições mínimas para que a UERJ deixe perder alunos e possa recuperar seu prestígio como uma das principais referências acadêmicas do Direito brasileiro.
A carta é assinada por dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux e Luís Roberto Barroso (ambos professores da instituição) e pelos colegas Gustavo Tepedino, Paulo César Pinheiro Carneiro, Carmen Tibúrcio, Gustavo Binenbojm, Daniel Sarmento e Anderson Schreiber.
No texto, eles dizem que idealizaram o projeto de transferência — que ainda deverá ser discutido internamente e aprovada pelas instâncias universitárias competentes — após conversas sobre “a gravíssima crise que se abateu sobre a UERG, especialmente sobre nossa Faculdade de Direito”.
“A situação desesperadora das alunas e alunos cotistas, privados das suas bolsas; o absurdo não pagamento de professores, funcionários e terceirizados; o quadro de dificuldades em relação às nossas instalações”, diz a carta.
Veja abaixo a íntegra da Carta:
Sobre a Possível Mudança da Faculdade de Direito da UERJ
Instaurou-se na nossa comunidade acadêmica o debate sobre a possibilidade de eventual transferência da nossa Faculdade de Direito para outro prédio no centro da cidade. Somos o grupo de professores que, com o conhecimento da direção da faculdade e da reitoria da universidade, vem idealizando esse projeto. É nosso dever, neste momento, compartilhar algumas informações e crenças com todas e todos, para que cada um possa fazer seu próprio juízo sobre a questão.
Nosso grupo vem conversando há alguns meses sobre a gravíssima crise que se abateu sobre a UERJ, e especialmente sobre a nossa Faculdade de Direito. Observamos, com tristeza e apreensão, a acelerada decadência da faculdade, com a sucessão de paralisações – justíssimas, diga-se de passagem –; a situação desesperadora das alunas e alunos cotistas, privados das suas bolsas; o absurdo não pagamento de professores, funcionários e terceirizados; o quadro de dificuldades em relação às nossas instalações.
Percebemos, com angústia, a perda crescente do prestígio da faculdade, evidenciada por fatores como a grande evasão de estudantes, a redução da procura pelo Direito da UERJ no vestibular, e os resultados cada vez piores no exame da OAB. Tememos que, em pouco tempo, possa se perder o que professores, alunos e servidores levaram décadas para construir: a força, imagem e qualidade de uma instituição conhecida nacional e internacionalmente pela combinação singular de excelência acadêmica com inclusão social. Na nossa opinião, é urgente pensar em soluções inovadoras para esses problemas, pois boas intenções e palavras de ordem não serão suficientes.
No contexto desses nossos diálogos, tomamos conhecimento de que talvez fosse possível obter do Tribunal de Justiça a cessão do palácio histórico localizado em plena Praça Quinze (Rua Dom Manuel nº 29) para eventual funcionamento da nossa Faculdade. Entendemos que as instalações físicas que atualmente ocupamos deixam a desejar, e seu estado tornou-se ainda mais precário no cenário da crise financeira da universidade. Haveria, na nossa opinião, enorme ganho para a comunidade acadêmica em transferir-se para as novas instalações, eis que melhores e mais adequadas, em localização excelente, de fácil acesso para todas as regiões da nossa zona metropolitana.
É claro, porém, que nenhuma decisão sobre a matéria poderia ser tomada sem que houvesse ampla discussão com a comunidade acadêmica, além de aprovação pelas instâncias universitárias competentes. Porém, para submeter qualquer proposta à apreciação da comunidade e dos órgãos da universidade, era indispensável verificar previamente a sua viabilidade. Do contrário, ter-se-ia não uma proposta real, que pudesse ser objeto de séria análise e deliberação, mas mera conjectura, quando não simples quimera. Foi por isso – e não por qualquer tipo de inclinação antidemocrática – que o assunto não foi trazido à discussão pública anteriormente.
Neste momento, já temos indicativos da viabilidade do projeto. Verificou-se que as instalações do prédio comportam as atividades da nossa faculdade, e há bons sinais sobre a tendência do TJRJ de aprovar eventual convênio com a UERJ sobre o imóvel em questão.
A ideia geral do convênio envolve a cessão do uso do imóvel por longo prazo à UERJ, que, como contrapartida, ofereceria gratuitamente cursos de pós-graduação para magistrados e servidores do TJRJ. O Tribunal continuaria arcando com os custos de funcionamento do prédio. Seriam necessárias apenas pequenas obras e ajustes para a eventual mudança, e, diante da notória crise financeira do Estado, essas seriam bancadas por doações obtidas sobretudo de ex-alunos da nossa Faculdade de Direito (outro projeto do nosso grupo de professores é ajudar a implantar em nossa instituição a cultura das doações de ex-alunos, tão importante em outros países).
Por outro lado, essa contrapartida da Faculdade ao TJRJ desempenharia relevante função social, já que voltada à capacitação de integrantes do Poder Judiciário, na linha dos valores democráticos e humanistas cultivados em nosso programa de pósgraduação.
Com isso, contribuiríamos de alguma maneira para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional em nosso Estado – logo, para tutela dos direitos fundamentais da população fluminense.
Mais do que isso, a Faculdade de Direito poderia exercer, com eficiência, o que não conseguiu até hoje, a importante função social, enquanto Universidade Pública que é, de atender, através do escritório modelo, pessoas necessitadas, que poderão ter um serviço que a UERJ, no campus, sempre teve dificuldade em proporcionar.
As condições do prédio são excelentes. As salas de aula contam com modernos recursos multimídia, há boas instalações de ar condicionado em toda a construção, banheiros em excelente condição de funcionamento etc. Isso junto de espaços históricos muito bem preservados, como o famoso Salão dos Passos Perdidos, o Segundo Tribunal do Júri e o Museu da Justiça. Enfim, uma interessante combinação entre tradição e modernidade.
A localização do imóvel é ótima, por várias razões. O edifício é de fácil acesso para todas as localidades da nossa região metropolitana, com estação de VLT na porta, próximo das barcas e do metrô. O prédio é próximo, também, da sede das principais instituições jurídicas do Estado, como Defensoria Pública, Ministério Público Federal e Estadual, Procuradorias da União, do Estado e do Município, bem como da maior parte dos escritórios de advocacia do Rio de Janeiro, o que tornaria mais fácil a vida do amplo contingente de estudantes que faz estágio, bem como dos professores que, em paralelo ao magistério, desempenham outras atividades profissionais.
Nossa intenção é de que, além do imóvel, o convênio contemple também o uso da biblioteca do TJRJ pelos alunos e professores da UERJ, o que seria importante vantagem adicional, já que seu acervo é incomparavelmente maior do que o da nossa modesta biblioteca. Nesse cenário, está também assegurado o pleno acesso à biblioteca da Procuradoria-Geral do Estado – provavelmente, a melhor biblioteca jurídica do Estado do Rio de Janeiro – situada a poucos metros do prédio a ser eventualmente ocupado pela Faculdade de Direito.
Além disso, a celebração do convênio facilitaria a celebração de diversos outros ajustes com o TJRJ e outros órgãos públicos, tais como Procuradoria-Geral do Estado, Ministério Público, Defensoria Pública, que nos parecem muito interessantes para os alunos – especialmente os mais necessitados –, como, por exemplo, programas de estágio para estudantes, e de residência jurídica remunerada para alunos recém formados.
Evidentemente, a mudança em nada afetaria a natureza pública e gratuita do nosso ensino – constitucionalmente assegurada –, nem muito menos prejudicaria as políticas de ação afirmativa voltadas ao corpo discente, de que tanto nos orgulhamos.
Ela tampouco geraria qualquer tipo de subordinação ao Tribunal de Justiça, já que a obrigação da nossa faculdade resumir-se-ia ao oferecimento de cursos de pós-graduação a juízes e servidores, e o direito ao uso do imóvel estaria devidamente assegurado por sólido convênio. Certamente, os professores e alunos da nossa faculdade jamais deixariam de cumprir seu papel tão relevante de crítica ao poder e às instituições, por conta de qualquer temor infundado.
A eventual saída da Faculdade de Direito do campus da UERJ não representaria, obviamente, o abandono da Universidade. Continuaríamos plenamente integrados à UERJ, da mesma forma que diversos outros cursos, como Medicina e Desenho Industrial, também situados fora do campus. Aliás, antes de se integrar ao campus, nossa faculdade funcionou em prédio próprio, na Rua do Catete. E grande parte das melhores faculdades públicas de Direito brasileiras localiza-se fora do campus das respectivas universidades, como é o caso, no Rio de Janeiro, da UFRJ, da UFF e da UniRio; bem como, fora do nosso Estado, da USP, da UFPR, da UFMG e da UFPE.
O fato é que a nossa Faculdade de Direito só poderá ajudar a UERJ a superar a gravíssima crise que enfrenta se estiver forte, e a cada dia que passa nós estamos perdendo força, qualidade e prestígio. Se nos tornarmos irrelevantes, nada poderemos fazer em prol da UERJ, e a tendência será de naufragarmos todos juntos. Por isso, até para que possamos auxiliar de modo mais eficaz nossa Universidade a superar esse momento tão difícil, é preciso fortalecer a própria Faculdade de Direito. E estamos seguros de que a mudança pretendida nos fortalecerá; que elevará a percepção social acerca do relevante papel desempenhado pela nossa Faculdade e, portanto, da Universidade como um todo; que poderá representar uma guinada na nossa trajetória, que hoje, infelizmente, é de franco declínio.
Enfim, em meio à sua crise mais grave, surgiu janela de oportunidade incomum para a nossa Faculdade. Aproveitá-la será fortalecer nossa instituição, para que volte a ser – e seja cada vez mais –, espaço de excelência acadêmica, de pensamento crítico e de inclusão social, que nos orgulhe a todos e que gere bons resultados, não só para seus alunos, professores e servidores, mas para toda a sociedade. Oportunidades como essa não aparecem duas vezes. “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Mas a decisão cabe à comunidade acadêmica, com a qual o projeto será debatido em detalhes assim que forem retomadas as atividades.
Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Gustavo Tepedino, Paulo César Pinheiro Carneiro, Carmen Tibúrcio, Gustavo Binenbojm, Daniel Sarmento e Anderson Schreiber
Professores Titulares da Faculdade de Direito da UERJ
Fonte: Jota
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