AMB | 11 de dezembro de 2019 20:55

Discurso de posse da presidente da AMB, Renata Gil

Presidente da AMB discursa em cerimônia de posse

Nesta noite me apresento a vocês primeiramente não como a presidente eleita da maior e mais influente entidade de magistrados do continente, mas humildemente como aquela escolhida para servir a cada anseio de mudança em mim depositado, servir ao aprimoramento do sistema judiciário, servir aos que esperam da Justiça a verdadeira pacificação social. 

A AMB completou 70 anos em setembro de 2019. Nasceu e foi nomeada oficialmente em setembro de 1949. Mas já havia sido pensada no ano anterior, quando 50 (cinquenta) magistrados se reuniram para eleger a primeira diretoria.

Estiveram à frente da Associação 31 (trinta e um) magistrados, 7 (sete) ministros de tribunais superiores.

Sua primeira sede, hoje histórica, foi no Rio de Janeiro, transferida para Brasília em 1982, com a eleição do desembargador Sidney Sanches, futuro ministro, que viria a presidir o julgamento do impeachment do ex-presidente Fernando Collor.

A AMB testemunhou, portanto, momentos históricos brasileiros, como a efervescência política dos anos 60, o Golpe de Estado e o militarismo, a redemocratização, planos econômicos.

Participou ativamente da Constituinte de 1988, quando manteve vigília permanente no Congresso Nacional para contribuir com o texto constitucional, garantindo, por exemplo, a autonomia dos judiciários estaduais em relação aos executivos.

Naquela época, segundo o ex-presidente da AMB e ex-deputado federal Regis de Oliveira, amigo querido, houve a abertura da magistratura, em razão da necessidade de diálogo com o Parlamento, moldada, portanto, a forma como atua nos dias de hoje.

Como resultado deste intenso trabalho foram criados importantes direitos para a sociedade, como a gratuidade de Justiça e os juizados especiais, itens trabalhados pelo então presidente Sidney Sanches na Comissão Especial.

A conformação constitucional da magistratura constitui verdadeira proteção à sociedade.

Regras de movimentação na carreira, forma de julgamento, número de juízes nas unidades jurisdicionais e outras mais possuem assento na Carta Magna e não em leis ou atos normativos de categoria inferior para a garantia de que a jurisdição seja prestada de forma independente e imparcial.

As prerrogativas da magistratura insertas no artigo 95 da Constituição da Republica estampam a preocupação do legislador constituinte com a independência judicial, ao estabelecer a vitaliciedade e a inamovibilidade, e com a imparcialidade, ao estabelecer a irredutibilidade de vencimentos.

Tais garantias consubstanciam o esteio de um Poder Judiciário forte e impermeável a pressões de ocasião. Lutaremos com toda firmeza para que não sejam atingidas por rompantes políticos não-republicanos.

São cláusulas pétreas e, sendo o Congresso Nacional guardião da democracia, deve velar para que sejam preservadas.

O protagonismo ativo que o Poder Judiciário assumiu, especialmente após a ação penal 470 e a denominada Operação Lava Jato, gera desconforto, incompreensões e até mesmo retaliações. Assistimos casos pessoais serem tratados na tribuna do Parlamento como violações sistemáticas, o que não é real.

A aprovação da Lei de Abuso de Autoridade, a lei da impunidade, é forte exemplo da referida incompreensão, tanto assim que houve um processo de construção de vetos, com a oitiva dos atingidos, que não vingou. A AMB, então, maior demandante sobre magistratura no STF busca, a declaração de inconstitucionalidade.

Acreditamos no diálogo, sempre oportunizado pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, porque a democracia brasileira, suas instituições e seus homens não admitem retrocessos.

Nesse sentido, os protocolos e as ações do Estado brasileiro entabulados a partir dos tratados internacionais que subscrevemos constituem caminho sem volta.

Em funcionamento no Brasil desde o ano de 2003, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, a ENCCLA, onde tive a oportunidade de trabalhar com o ministro Sergio Moro, a quem cumprimento pelo trabalho sério e oriundo de expertise que desenvolve no comando do Ministério da Justiça, é um robusto instrumento de cooperação interinstitucional. A ENCCLA elaborou inúmeros estudos que geraram novos diplomas legislativos, como as modificações da lei antilavagem, medidas anticorrupção inseridas no pacote anticrime, este já em fase final no Senado.

Insisto que o vigor das instituições brasileiras está alicerçado nos profissionais que a compõem. O ser humano propulsiona o bom e correto funcionamento dos órgãos públicos nacionais.

E no elemento humano reside a ética. Já disse em ocasião anterior que a ética que deve nortear a ação dos entes republicanos já está soprando a corrupção para as profundezas dos oceanos, trazendo a retidão e a probidade como poderosas correntes.

No caso dos juízes, como seria de se esperar, pela natureza da função, sua ética é de responsabilidade, como diria Max Weber, e não a de convicção, de convicções pessoais.

O caminho que devemos buscar para o Poder Judiciário é o da institucionalidade, segundo as lições do estimado sociólogo Werneck Viana, especialmente diante do papel moderador que tem exercido com relação ao Executivo e ao Legislativo, diante do chamado da sociedade.

Na República brasileira temos três Poderes e não mais. Executivo, Legislativo e Judiciário. Em conjunto com os três Poderes os demais atores garantem o pleno exercício da cidadania, a proteção aos direitos individuais, coletivos e difusos.

A imprensa tem o papel fundamental de trazer a transparência. Nas palavras do ministro poeta Ayres de Brito, “democracia é o império da transparência, é o governo do poder público em público.”  “É a comunicação que nos defende como seres humanos.”

Também o Ministério Público, que exerce o fundamental papel de combate à criminalidade, de atuação para a preservação ambiental, de respeito às minorias, fiscalização do poder público, manutenção da ordem jurídica.    

As advocacias públicas e privada, com enorme compromisso social, são verdadeiros escudos da democracia.

Entidades que, com a nossa AMB constroem, com dialogo e cooperação, a agenda pública esperada pela sociedade brasileira para este século. 

O propagado futuro tecnológico não é mais futuro. É presente. Ele impõe a adaptação do Judiciário.

Pensando nesse desafio a AMB ergue seu laboratório de tecnologia e inovação, bem como seu centro de pesquisas, este a ser conduzido pelo vanguardista e estudioso do judiciário, ministro Salomão.

As duas últimas pesquisas realizadas pela AMB, sob a coordenação dos sempre engajados ministros Bellizze, Saldanha e Salomão, que eu tive a oportunidade de subcoordenar, foram reveladoras. A interna ouviu os juízes, intitulada “Quem somos, a magistratura que queremos”, e na externa, denominada “Estudo da imagem do Judiciário brasileiro”, lançada na semana passada, foram entrevistados usuários e não-usuários do sistema de Justiça. Ambas evidenciam a mesma grande preocupação de todos: efetividade.

A necessidade de diminuição do tempo do processo, de efetivação das medidas determinadas nas decisões judiciais.

Adotando como rumo este diagnostico fantástico, oriundo de processo cientifico, atuará o novo grupo que hoje assume a gestão da AMB. Grupo composto das maiores lideranças do movimento associativo nos Estados. Não estarei sozinha. Todos os Estados brasileiros e o Distrito Federal estão representados, ocupando cargos de vice-presidência ou de direção. Temos o compromisso de levar a pauta da magistratura e a sua melhor face aos três Poderes e à sociedade. A eles rendo minhas sinceras homenagens pelo trabalho que realizam e pela confiança em meu nome para a condução da entidade.

Os compromissos que firmamos em campanha hoje ratificamos.

Seremos guardiões atentos e protetores zelosos da independência do Poder Judiciário, da autonomia dos tribunais. Lutaremos pela democratização interna, através da votação por todos os magistrados para os cargos diretivos dos tribunais. Trabalharemos pela valorização do tempo de serviço da magistratura, do ajuste de sua adequada remuneração. Todos os magistrados brasileiros precisam desfrutar das mesmas condições de trabalho. A primeira instância, porta de entrada da cidadania, precisa ser reaparelhada. Os desembargadores devem ser destacados por seu labor célere e pela formação dos precedentes que aceleram o tempo do processo. A interação dos tribunais com as Cortes superiores facilitará o conhecimento da formação dos julgados que constituem a jurisprudência nacional. O departamento jurídico da AMB será reforçado para os necessários questionamentos nas cortes e no CNJ.

Com o Conselho Nacional de Justiça já atuamos em várias comissões, comitês e estamos presentes nas sessões plenárias, em contato permanente com os estimados conselheiros, que hoje nos brindam com sua presença. Nossa gratidão pela fácil interlocução.

A AMB possui mais de 300 procedimentos em trâmite no CNJ, e o entendimento que se estabeleceu foi eficiente para levar ao Conselho como as decisões e regramentos afetam a Justiça na ponta e para a elaboração de parametrizações nacionais importantes, como a referente à saúde dos magistrados, recém-publicada. Tudo isto dentro da proposta de unidade que temos e que fortaleceremos, pois representamos 14.000 (quatorze mil) magistrados, de competência estadual, militar, trabalhista e federal.

Senhoras e senhores, temos o melhor Judiciário do mundo. Somos magistrados bem preparados, nossa formação é excelente e nosso aperfeiçoamento impecável.

O sociólogo polonês Zygmunt Baumam, tão festejado por seu conceito de “modernidade liquida”, prega que estamos vivendo o fim do futuro e que somente com indignação resistiremos à banalização do mundo on-line da internet. 

Trago em mim essa indignação, essa vontade de mudar o mundo, de aproximar as pessoas.

Fui a primeira mulher a concorrer e a presidir a AMAERJ – Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, hoje encerrando meu segundo mandato. Fui a primeira mulher a concorrer à presidência da AMB.

Eleita com quase 80% (oitenta por cento) dos votos, carrego em meus ombros o desafio da representação feminina da magistratura, da sociedade, ainda patriarcal.

Exemplos como o de Chiquinha Gonzaga, que “abriu alas” para que as mulheres ocupem espaços que só aos homens eram destinados, primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil no ano de 1885; como o de Narcisa Amalia, poetisa carioca e primeira jornalista profissional brasileira, que trouxe em seu famoso poema intitulado “Por que sou forte” as marcas da opressão da mulher; como o de Bertha Lutz, advogada e fundadora da Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher, que ajudou a abrir o ensino público para as mulheres; como o de Carlota Queiroz, primeira deputada federal do Brasil em 1933, apoiada por movimentos femininos. Todas me inspiram e me motivam.

Em um país em que o feminicídio cresce como epidemia, estamos sempre mirando no aperfeiçoamento da legislação e na criação de medidas efetivamente protetivas, como as patrulhas da mulher e a inserção de práticas bem sucedidas, como a pulseira que impede a aproximação de ofensores, em funcionamento na Espanha.

Por indicação do ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que tem realizado verdadeira cruzada pelo país, orientando e coletando informações dos juízes e tribunais para o aperfeiçoamento das políticas públicas do Judiciário, integro a Comissão do CNJ para o incentivo à participação institucional feminina no Poder Judiciário, diante da assimetria na ocupação de cargos aferida pelo próprio Conselho, através de seu laborioso relatório anual “Justiça em Números”.

Vamos buscar os entraves materiais e invisíveis à ascensão feminina através de estudos e propor incentivos.

Minha experiência pessoal se deve ao apoio incondicional que tive da família, amigos, companheiros de jornada. Minhas ausências em casa sempre foram compreendidas e afagadas e, recentemente têm sido externadas por mensagens e textos, tomando eu a liberdade de ler poesia de autoria de minha filha Paula, apresentada na escola como “somativa de classe”, que me emocionou sobremaneira, trazendo a certeza de que o exemplo importa mais que o discurso. Escreveu ela:

“Antes de partir se despeça  
e volte depressa
pois com você é sempre aconchegante
e a saudade é gigante.
Para a angustia acabar
É só você voltar
Sinto sua falta
e me faltam palavras,
por isso resolvi escrever.
É poderosa e forte, 
Não foi sorte.
Entendo o esforço
e assim torço 
todos os dias e segundos
que retorne,
mas não pelos fundos.
Foram anos expendidos para esse trabalho,
O melhor para você é o esperado.
E não pense que quero sua asa cortada,
só espero que um dia seu destino seja casa.”

Senhoras e senhores, amigos diletos, colegas, agradeço a todos os que me ajudaram, por tudo, tudo.   

Agradeço à família em nome de meus pais Paulo e Carmen, que sempre lutaram com as dificuldades da juventude (se casaram com 19 e 17 anos de idade) para que eu estudasse em boas escolas e chegasse à Universidade Estadual do Rio de Janeiro, meu orgulho, onde recebi as lições que me levaram ao concurso da magistratura, paixão da vida.  Os valores de honestidade e perseverança de meus pais correm em minhas veias.

Ao meu esposo Eduardo, um especial agradecimento por ser o alicerce da vida que escolhemos construir em comum, meu amor.

A João Eduardo e Paula, filhos já adolescentes, que me aconselham e de tudo participam, mesmo a distância, torcendo pelo meu sucesso e provando que é possível conciliar trabalho e casa.

A Carla, Alessandra e Flavia, a primeira irmã de sangue e as últimas irmãs de coração, sempre ao meu lado, amizade sem fim! Em nome delas agradeço a todos os amigos de infância e juventude que se deslocaram a Brasília neste dia importante para mim. 

Agradeço aos amigos de caminhada associativa, na pessoa de Jayme de Oliveira, meu chefe por três anos, com quem aprendi que arrojo e ponderação são valores inseparáveis. Jayme, além de ter erguido a tão sonhada unidade interna da magistratura, elevou o conteúdo do diálogo institucional externo, especialmente no STF e no Congresso Nacional. Tenho a honra de ter sido presidida por Jayme e ter sido sua longa manus durante a exitosa gestão. A confiança que em mim depositou jamais será esquecida e será suporte para que eu não fraqueje diante das adversidades do cargo. Seu legado é perene e já se eternizou na nossa AMB.  

Agradeço em nome do ministro Dias Toffoli, presidente do STF, a toda a atenção dispendida pelos ministros da Corte Suprema à AMB, à magistratura de base. A proteção do órgão de cúpula do Judiciário é fundamental para que nós, agentes políticos, tenhamos firmeza e tranquilidade para entregar justiça.

Em nome do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, agradeço a todos os deputados federais e estaduais aqui presentes, ressaltando sua fidalguia e sinceridade no trato com a magistratura.Em nome da senadora Simone Tebet, presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, cumprimento todos os senadores, em cuja casa temos obtido espaço para importantes debates para a magistratura e para o país.   

Em nome do ministro João Noronha agradeço a deferência do Tribunal da Cidadania em dar lugar, de forma histórica, à posse de um presidente da AMB. Aqui tenho amigos estimados, o que muito me honra.

Ao governador Wilson Witzel, meu antigo companheiro de lutas associativas, quando presidia a AJUFERJES e eu a AMAERJ, meu reconhecimento pelo apoio que sempre empenhou ao Judiciário fluminense e, em seu nome, agradeço a todos os cariocas e fluminenses queridos que aqui se encontram.

Agradeço ao desembargador do Distrito Federal dr. Belinatti, presidente da Comissão Eleitoral da AMB, em nome de quem agradeço a todos os magistrados. 

Aos magistrados do grupo “Sintonia”, especialmente, por sustentarem minha candidatura, em nome de quem agradeço a todos os juízes e juízas que nos escolheram como seus representantes, nessa votação recorde em todas as suas formas. 

Gratidão aos funcionários da AMAERJ, meus queridos, que erigiram nossa associação estadual a essa potência que é hoje, e aos da AMB, que sempre colaboraram para que eu desempenhasse meu papel de líder associativa em Brasília.

Finalmente, emocionada pela presença de tantas autoridades, colegas, amigos, muitos dos quais foram e são meus mestres e guias, pessoas que emprestam seu prestigio a essa solenidade, desejo, ao final dos três anos de mandato que eu tenha a felicidade de ter cumprido a missão a que me propus.

Sempre em frente. Ao infinito e além, vibrando pela magistratura, meu sacerdócio!

Como dizia Nelson Mandela, “um dia de cada vez, todos os dias”.  

Boa noite.