Notícias | 08 de novembro de 2012 14:20

Desembargador André Andrade tem artigo publicado no O Globo

“Liberdade e respeito” é o título do artigo publicado na edição de hoje (8/11) do jornal O Globo, assinado pelo desembargador André Andrade. O texto fala sobre liberdade de expressão, tomando como base casos de violência ocorridos em diversos países com motivação religiosa.  Segundo o texto, “a liberdade de expressão não é absoluta – nenhum princípio o é; se o fosse, deixaria de ser um “princípio”.

Leia o artigo completo aqui ou acesse para ver direto na fonte:


Liberdade e respeito
*André Andrade

O debate acerca da liberdade de expressão e seus limites é daqueles que deixam a sensação de nunca chegar a um denominador comum. Algumas controvérsias em torno do tema parecem, mesmo, refluir.

Artigo recente, publicado no Globo, intitulado “Respeito é bom…” reavivou aqui os debates que se seguiram às publicações de caricaturas e charges retratando o profeta Maomé. O artigo viu nessas publicações uma “provocação reiterada” e sem graça a uma figura considerada sagrada para os muçulmanos. A consequência disso, segundo o artigo, foram protestos que causaram morte e destruição. Finaliza, dizendo que muçulmanos apenas gostariam de respeito às suas crenças.

Parece-me um tanto reducionista definir essas publicações, como fez o artigo, como produto de uma “arrogância cultural” ou uma “obsessão ocidental de tomar seus princípios como os melhores”. Afinal de contas, cada sociedade deve viver de acordo com os próprios princípios.

A liberdade de expressão é muito cara à cultura ocidental. Nenhuma democracia digna desse nome pode sem ela subsistir. Com base nela, crenças, dogmas ou símbolos de várias religiões – não apenas a islâmica – têm sido, ao longo do tempo, objeto de manifestações e representações críticas, irreverentes e, até, grosseiras em diversos veículos de comunicação.

O filme “A Última Tentação de Cristo” (1988), dirigido por Martin Scorsese, retrata um Jesus atormentado interiormente, com desejos e fraquezas humanas, que imagina como seria sua vida com mulher e filhos. No ápice dos protestos que se seguiram ao lançamento do filme, um cinema em Paris foi incendiado por fundamentalistas cristãos, ferindo várias pessoas.

O livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de Saramago, foi alvo de crítica do governo português, que o riscou da lista de concorrentes a um prêmio literário europeu.O Museu do Brooklin exibiu, em 1999, a obra “A Santa Virgem Maria”, da autoria do pintor Chris Ofili. Na composição do quadro, que retrata uma virgem negra, foram utilizados vários materiais, dentre os quais fezes de elefante e recortes de imagens pornográficas. Houve reações ferozes contra a obra.

Charges e desenhos de Deus e outras figuras sagradas não são novidade nos jornais e em revistas ocidentais, como revela uma rápida pesquisa na internet.

Os temas religiosos, apesar de sensíveis para muitos, não são imunes à liberdade de manifestação e pensamento.

Ideias se combatem com ideias, não com agressões. E foi com uma boa ideia que o jornal egípcio Al-Watan respondeu aos desenhos de Maomé, lançando a campanha “combata cartoons com cartoons”. O periódico publicou 13 cartoons, ironizando, de forma inteligente, a visão ocidental sobre o mundo islâmico.

Nunca é demais lembrar que só faz sentido falar em liberdade de expressão quando se trata de assuntos polêmicos, opiniões controvertidas, temas delicados, charges desagradáveis…

Conceda-se que os desenhos de Maomé, no caso do semanário francês, sejam grosseiros e sem graça. Mas isso não deixa de ser uma questão de opinião.Reconheça-se, até, que as caricaturas e desenhos tenham aparecido em época pouco propícia, devido à tensão entre o Ocidente e o Islã. Mas quando seria a ocasião “apropriada” para publicá-los? Quando já não houvesse o que criticar ou caricaturar?

A liberdade de expressão não é absoluta – nenhum princípio o é; se o fosse, deixaria de ser um “princípio”. Mas a resposta para os abusos à liberdade não é a violência, que não é inerente a muçulmanos, cristãos ou judeus – é obra de fanáticos, extremistas e intolerantes, existentes em qualquer cultura. Respeito é bom, mas não se impõe pelo medo.

*André Andrade é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

 

Fonte: Assessoria de Imprensa da Amaerj